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UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA
CENTRO DE COMUNICAÇÃO, TURISMO E ARTES
DEPARTAMENTO DE ARTES CÊNICAS
Edmilson dos Santos de Almeida
A Influência da Commedia Dell’Arte na Dramaturgia
do seriado Chaves de Roberto Gómez Bolaños
João Pessoa – PB
2014
Edmilson dos Santos de Almeida
A Influência da Commedia Dell’ Arte na Dramaturgia
do seriado Chaves de Roberto Gómez Bolaños
Monografia apresentada na Disciplina de
Trabalho de Conclusão de Curso como
Requisito básico para a obtenção do Título
de Conclusão do Curso de Bacharelado em
Teatro.
Orientadora: Lúcia Serpa
João Pessoa – PB
2014
Catalogação da Publicação na Fonte.
Universidade Federal da Paraíba.
Biblioteca Setorial do Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes (CCHLA).
Almeida, Edmilson dos Santos de.
A Influência da Commedia Dell’ Arte na Dramaturgia do
seriado Chaves de Roberto Gómez Bolaños / Edmilson dos
Santos de Almeida. - João Pessoa, 2014.
63f. : il.
Monografia (Graduação em Teatro) – Universidade Federal
da Paraíba - Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes.
Orientadora: Profª. Ms. Lúcia Gomes Serpa.
1. Commedia Dell Arte. 2. Crítica social. 3. Mimese.
4.Chaves. I. Título.
BSE-CCHLA CDU 792
Edmilson dos Santos de Almeida
A Influência da Commedia Dell’ Arte na Dramaturgia
do seriado Chaves de Roberto Gómez Bolaños
Trabalho de Conclusão de Curso aprovado para obtenção do grau de
Bacharelado em Teatro, pela Banca Examinadora formada por:
Orientadora: Ms. Lúcia Gomes Serpa
Profº Ms. Elias de Lima Lopes
Profº Ms. José Everaldo de Oliveira Vasconcelos
João Pessoa – PB
2014
DEDICATÓRIA
Dedico a todos os profissionais da Comédia Popular, atores e pesquisadores
que elevam seus cosmos ao infinito com o objetivo de resgatar a essência da
Commedia Dell’ Arte e seus personagens tipificados na sociedade.
E claro, dedico com muito carinho a todos os fãs e admiradores do seriado
Chaves e a seu criador Roberto Gómez Bolaños.
AGRADECIMENTOS
Quero agradecer primeiramente ao senhor Jesus por ter me dado o
sopro da vida e por ter a oportunidade de concluir esse trabalho de pesquisa,
na área que amo e mais me identifico.
Agradeço especialmente, aos meus pais pelo amor, educação e também
paciência, em relação a minha carreira artística. Minha namorada que me
ajudou bastante, sem a qual não poderia obter o mesmo êxito deste trabalho. E
claro, quero agradecer a instituição Universidade Federal da Paraíba (UFPB),
minha orientadora pela confiança e todos aqueles que contribuíram de alguma
forma, com o desenvolvimento deste trabalho monográfico.
RESUMO
A seguinte pesquisa apresenta a Commedia Dell’ Arte e seus principais
elementos que influenciaram produções artísticas da modernidade. Para tal,
investiga sua origem evidenciando possíveis contribuições no âmbito da
comédia popular televisiva, tendo como objetivo principal destacar sua provável
influência na dramaturgia do seriado televisivo El Chavo del Ocho (Chaves no
Brasil), criado pelo mexicano Roberto Gómez Bolaños (Chespirito). Sendo
assim, a pesquisa apoia-se de forma qualitativa em documentos bibliográficos
e vídeos do seriado televisivo em questão. No percurso dessa pesquisa, é
analisado primeiramente a mimese e a crítica social, presentes na Commedia
Dell’ Arte. Em seguida, a apresentação do autor Roberto Gómez Bolaños e a
dramaturgia do seriado Chaves. Partindo dessa investigação, é chegado o
momento da relação das principais características dos personagens do seriado
Chaves, com os tipos/personagens da Commedia Dell’ Arte, através da análise
de cenas de episódios do seriado mexicano.
Palavras-chave: Commedia Dell’ Arte, Chaves, Chespirito, mimese, crítica
social.
RESUMEN
La siguiente investigación presenta la Commedia Dell’ Arte y sus
principales elementos que influenciaron producciones artísticas de la
modernidad. Para tal, investiga su origen evidenciando posibles contribuciones
en el ámbito de la comedia popular televisiva, teniendo como objetivo principal
destacar su probable influencia en la dramaturgia de la serie televisiva El
Chavo del Ocho (Chaves en Brasil), creado por el mexicano Roberto Gómez
Bolaños (Chespirito). Siendo así, el estudio se apoya de forma cualitativa en
documentos bibliográficos y vídeos de la serie televisiva en cuestión. En el
recorrido de esta investigación, son analizadas primeramente la mimese y la
crítica social, presentes en la Commedia Dell’ Arte. En seguida, la presentación
del autor Roberto Gómez Bolaños y la dramaturgia del seriado Chaves.
Partiendo de esa investigación, se llega al momento de la relación de las
principales características de los personajes de la serie Chaves, con los
tipos/personajes de la Commedia Dell’ Arte, a través del análisis de escenas de
episodios de la serie mexicana.
Palabras llave: Commedia Dell’ Arte, Chaves, Chespirito, mimese, crítica social.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ....................................................................................................................... 10
Capítulo 1: A essência da Commedia Dell`Arte ..................................................... 12
1.1 A Função da Mimese na Comédia Popular........................................................ 12
1.2 Crítica à Aristocracia ................................................................................................. 14
1.3 O Surgimento da Commedia Dell’ Arte ............................................................... 17
Capítulo 2: Chaves e a Comédia Popular Televisiva ........................................... 21
2.1 A Indústria Cultural e a Influência da Mídia Televisiva no comportamento
da sociedade....................................................................................................................... 21
2.2 Chespirito - O pequeno Shakespeare.................................................................. 23
2.3 A Dramaturgia do seriado Chaves........................................................................ 27
Capítulo 3: A Commedia Dell’Arte e o seriado Chaves – Relações que
atravessam o tempo........................................................................................................... 31
3.1 O Estudo da Natureza do Homem........................................................................ 31
3.2 Quadros comparativos entre as duas Expressões Artísticas: A Commedia
Dell`Arte e o seriado Chaves......................................................................................... 33
3.2.1 A crítica das classes sociais ................................................................................. 33
3.2.2 Composição de Lazzi na dramaturgia do seriado Chaves .............................. 35
3.2.3 Comparação das características dos personagens/tipos ................................ 38
CONSIDERAÇÕES FINAIS........................................................................................... 60
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS........................................................................... 62
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 - Arlecchino anno 1671 - SAND Maurice. Masques et bouffons
(Comedie Italienne).......................................................................................... 39
Figura 2 – Chespirito, no papel de “El Chavo” (Chaves) .................................. 39
Figura 3 - Brighella, século XVI........................................................................ 42
Figura 4 - Quico................................................................................................ 43
Figura 5 - Colombina com trajes típicos do final do séc. XVII .......................... 46
Figura 6 - La Chilindrina (Chiquinha)................................................................ 47
Figura 7 - Pantalone, 1550, por Mauricie Sand................................................ 49
Figura 8 - Don Ramon (Seu Madruga)............................................................. 50
Figura 9 - Scaramuccia em 1860 - SAND Maurice. Masques et bouffons
(Comedie Italienne).......................................................................................... 51
Figura 10 - O Professor Girafales..................................................................... 54
Figura 11 - Dottore de face corada................................................................... 55
Figura 12 - Os Enamorados ............................................................................. 56
Figura 13 - Prof. Girafales e Dona Florinda...................................................... 57
10
INTRODUÇÃO
A partir do estudo de elementos da Commedia Dell’ Arte e do seriado
televisivo El Chavo Del Ocho (Traduzido para o Brasil como Chaves), criado
pelo dramaturgo mexicano Roberto Gómez Bolaños, foi possível notar
similitudes entre ambos. Desde então, surgiu o questionamento sobre a
possível relação dessa expressão artística com o seriado em questão. O passo
seguinte foi, assim, analisar o seriado Chaves a partir desta nova perspectiva.
Segundo os estudos do Grupo Teatral Moitará, podemos destacar vários
atores, diretores e dramaturgos que adotaram em suas obras, elementos
presentes nessa comédia popular, como exemplo temos Shakespeare,
Moliére, Carlo Goldoni, Jacques Lecoq, Meyerhold, Dario Fo, Marcelo
Moretti, Ariano Suassuna, entre outros.
A escolha do seriado Chaves ocorreu devido ao fato de acompanhar os
episódios desde a minha infância, tendo-o como um referencial no gênero da
Comédia. São mais de três décadas de exibições ininterruptas nos países
latino-americanos, sempre com muito sucesso de audiência, principalmente no
Brasil. Em nosso país, o seriado é exibido pelo Sistema Brasileiro de Televisão
(Sbt), desde 1984. Desta forma, novas gerações vão acompanhando as
peripécias dos personagens do seriado Chaves.
Por outro lado, tal seriado é bastante criticado por muitos, que o
consideram como um “mero” programa infantil e um “produto do mercado de
massa.” Fato este que despertou grande interesse, pois nesse contexto, essa
pesquisa busca demonstrar a qualidade de um programa considerado de baixo
teor artístico e intelectual por pertencer a esse mercado.
Sendo assim, esta pesquisa de caráter qualitativo tem por objetivo
identificar as possíveis influências da Comedia Dell’ Arte sobre o seriado
Chaves. Para tal, faz uso de quadros comparativos em relação às duas
expressões artísticas, destacando a crítica das classes sociais, os métodos de
utilização dos lazzi nas cenas e a comparação das características dos
11
personagens. Sendo assim, esta pesquisa encontra-se dividida em três
capítulos:
O primeiro capítulo intitulado “A essência da Commedia Dell’ Arte”,
destaca a arte da mimese, defendida por Aristóteles, e a ridicularização dos
aristocratas em apresentações na Grécia Antiga afim de expor elementos que
auxiliaram o surgimento da Commedia Dell’ Arte.
O segundo capítulo denominado “Chaves e a Comédia Popular
Televisiva” é voltado para a influência das produções do mercado de massa,
perante a sociedade. Ainda neste capítulo, destacamos o autor de Chaves,
pelo seu nome artístico: Chespirito, como escritor, ator, diretor e sua relação
com o teatro na adolescência. Então, adentramos em seu maior sucesso, o
seriado Chaves.
O terceiro capítulo chamado “A Commedia Dell’ Arte e o seriado
Chaves: Relações que atravessam o tempo” analisa alguns elementos que
compõem a Commedia Dell’ Arte e o seriado Chaves. São utilizados alguns
quadros comparativos e a análise de fragmentos de alguns episódios do
seriado, que são essenciais para relacionar as duas expressões artísticas.
Sabemos que se trata de uma aproximação, de uma forma de
comparação entre duas obras de veículos e épocas distintas. Muitas outras
análises podem ser possíveis. Mas foi interessante observar que a essência da
Commedia Dell’ Arte pode estar presente em outras formas de manifestação
artística.
12
Capítulo 1: A essência da Commedia Dell’ Arte
No presente capítulo busco explorar a origem da Commedia Dell’ Arte e
destacar elementos que foram disseminados em épocas posteriores e,
também, em outros gêneros artísticos. Encontro, primeiramente, a contribuição
da arte mimética no âmbito da comédia popular, seguindo pelos conflitos
históricos entre a nobreza e o proletariado, que desencadeou na crítica da
aristocracia, tão bem expressada através da Commedia Dell’ Arte e que
influencia distintas gerações com culturas tão diversas.
Inicio então, este percurso, buscando as raízes da Commedia Dell’ Arte.
1.1 A Função da Mimese na Comédia Popular
A imitação é um elemento bastante utilizado no âmbito da comédia
popular, que a utiliza para satirizar ou parodiar o próprio homem ou a natureza.
Seguindo esta linha de pensamento, destaco o filósofo grego Aristóteles, por
este ter enfatizado em sua poética (século IV a.C), a importância de diferentes
tipos de efeitos da imitação e por ter contribuído para o conhecimento de
elementos da arte teatral.
Segundo a Arte Poética de Aristóteles:
A imitação se aplica aos atos das personagens, colocando que estas
não podem ser senão boas ou ruins (pois os caracteres dispõem-se
quase nestas duas categorias apenas, diferindo só pela prática do
vício ou da virtude), daí resulta que as personagens são
representadas melhores, piores ou iguais a todos nós.
(ARISTÓTELES, 2004, p.2)
Todavia, cada gênero artístico irá conter uma diferença no modo de
imitação em suas respectivas obras. É a partir disso, que Aristóteles enfatiza os
objetivos e diferenças entre a Tragédia e a Comédia: “É também essa
diferença o que distingue a tragédia da comédia: uma se propõe imitar os
homens, representando-os piores; a outra os torna melhores do que são na
realidade”. (ARISTÓTELES, 2004, p.3)
13
A imitação para Aristóteles é uma tendência instintiva do homem desde
a infância e é esta aptidão que o distingue de outros seres vivos. Ele ainda
afirma que é através da imitação que adquirimos nossos primeiros
conhecimentos, “e nela todos experimentamos prazer”. (ARISTÓTELES, 2004,
p.4)
Se observarmos com atenção, a imitação está presente no nosso
cotidiano até mesmo em ações rotineiras. A última citação refere-se às ações
do cotidiano, que estão enraizadas no homem desde sua infância e que
acontecem através da imitação. A criança imita os pais, os irmãos mais velhos,
o mundo ao seu redor.
Em relação ao gênero da comédia popular propriamente dita, ela irá
representar a imitação de maus costumes, ou seja, seu objetivo é expor o
ridículo do homem e do próprio sistema em que ele vive. É a partir da
ridicularização que o gênero da comédia carrega a tendência da crítica. Ao
atentarmos para a evolução do gênero da comédia – nas diferentes épocas e
classes – veremos na maioria das vezes, o poder, ou seja, a “aristocracia” (a
nobreza, os ricos) sendo criticada, por meio de sua exposição ao ridículo.
A Commedia Dell’ Arte tem como essência justamente a imitação da
natureza do homem e do mundo. Todavia, a peculiaridade da Commedia Dell’
Arte é a de não seguir um modelo de representação Aristotélica1
, ou seja, ela
rompe com a linearidade contida na Poética Aristotélica.
Isso permitiu que os atores da Commedia Dell’ Arte tivessem liberdade
na construção dramatúrgica de seus personagens, ao fazerem paródias e
críticas sociais, a partir da observação do comportamento da sociedade.
Portanto, observaremos a presença da imitação que Aristóteles enfatiza
em sua poética na busca das principais contribuições da Commedia Dell’ Arte
para a comédia popular televisiva, tendo como objeto, o seriado Chaves.
1
Segundo o modelo Aristotélico, a peça teatral era dividida de acordo com a cronologia dos
fatos: Prólogo (Início), Episódio (Meio) e Êxodo (Fim). (ARISTÓTELES, 1997).
14
1.2 Crítica à Aristocracia
Esta pesquisa não tem o objetivo de enfatizar e analisar todos os
aspectos que envolvem um conflito histórico entre o sistema aristocrático e o
democrático. O intuito central do presente tópico é de identificar os primeiros
indícios que destacaram os conflitos entre as classes sociais e a relação da
crítica à Aristocracia com a Commedia Dell’ Arte.
Aristocracia é uma palavra que vem do grego e que, literalmente,
significa "poder dos melhores". É uma forma de governo na qual o poder
político é dominado por um grupo da classe “dominante”. A palavra Democracia
também tem origem no grego e significa “poder do povo” e se estabelece como
um sistema em busca de direitos iguais na sociedade. Ela abrange as
condições sociais, econômicas e culturais que permitem o exercício livre e igual
da determinação política.
Foi exatamente esta divisão que gerou conflitos intelectuais e políticos
na Grécia Antiga. Aristófanes, teatrólogo cômico grego, defendia o Partido
Aristocrático, em oposição aos democratas, que defendiam os valores do povo
e era oposto a qualquer doutrina filosófica que surgisse.
Aristófanes, apesar de ter sido radicalmente conservador, filho de um
intelectual da Aristocracia e de ter apoiado o Partido Aristocrático, destacou-se
por fazer sátiras sociais em seus textos teatrais e não poupava nenhuma
classe social, instituição e até mesmo os próprios deuses.
Com o passar do tempo, a Grécia foi dominada pela religião do Estado
de Roma, que havia tomado posse da hierarquia dos deuses gregos, inclusive
do Teatro. A partir de então Roma instaurou o Teatro da Res Publica2
, que era
fundamentado na política do Estado.
Desse modo é importante observar a presença do sistema aristocrata no
desenvolvimento do Teatro de Roma, pelo favorecimento da política do estado.
Em outras palavras, a sociedade romana era oprimida e menos favorecida,
diante da política do Estado de Roma. BERTHOLD (2000) enfatiza sobre os
2
Res publica é uma expressão latina que significa literalmente "coisa do povo", "coisa
pública". É a origem da palavra república.
15
principais motivos que levaram os romanos a conquistarem a hierarquia de
outros povos e a função do teatro na política do Estado:
Desde o mais remoto início, a habilidade política de Roma se
expressou no oferecimento, aos povos conquistados, da oportunidade
de promover seus talentos e manter boas relações com seus próprios
deuses. Os romanos anexaram a propriedade espiritual, tanto quanto
a terrena, daqueles que conquistaram, juntamente com o direito de
exibi-la em público, para o prazer de todos e para maior glória da res
publica. Dessa forma, o teatro romano também era um instrumento
de poder do Estado, dirigido pelas autoridades. (BERTHOLD, 2000,
p. 140)
Portanto as representações teatrais eram utilizadas a favor das
autoridades políticas e a democracia vivia a mercê delas. Principalmente
porque Roma havia tomado posse da essência do teatro grego, mas o intuito
principal era a alegria do Estado e não da sociedade em si.
Contudo é importante destacar que, até então, a interpretação ainda não
era um dos principais elementos do teatro, e sim a representação. Como por
exemplo, na Grécia, o desenvolvimento das tragédias e comédias, era
direcionado às festividades das Dionisíacas3
. Já em Roma, o teatro era
instrumento dos jogos nomeados como Ludi Romani (Jogos Romanos), sempre
a favor do Estado.
Todavia, pouco tempo depois, nascia um dos principais dramaturgos
romanos, responsável por inspirar os tipos da Commedia Dell’ Arte e os futuros
escritores, por utilizar a interpretação teatral e a mimese, ao destacar a
sociedade em suas obras: Plauto (254-184 a.C).
Nascido em Sarsina, na Itália, costumava andar com uma troupe de
Fábula (ou Farsa) Atelana, que foi uma expressão artística da cidade de Atela
na Grécia, considerada ancestral da Commedia Dell’ Arte, já que foram
identificadas algumas semelhanças com o gênero e seus tipos.
3
Havia na Grécia Antiga três grandes festivais em homenagem a Dionisio: as Dionísias Rurais,
que se celebrava a meio do inverno e que se destinava a solicitar os favores de Dionisio à
fertilidade das terras; o Festival de Lenaea, que decorria em janeiro, devotado aos casamentos;
e o principal festival para o qual as peças gregas que chegaram aos nossos dias foram
escritas: a Grande Dionísia ou Dionísia Urbana, celebrada em Atenas.
16
Acredita-se que o sobrenome de Plauto, Maccius, tenha sido convertido
para um tipo tradicional da Farsa Atelana. BERTHOLD (2000) faz uma citação
a respeito:
Seu segundo nome, Maccius, parece confirmar essa experiência, pois
“Maccus” era um dos tipos fixados da Farsa Atelana – o guloso e ao
mesmo tempo finório e pateta, que sempre dá um jeito para que seus
comparsas de jogo tenham, no fim, de ficar com o ônus dos prejuízos
quanto do escárnio. (BERTHOLD, 2000, p. 144)
Podemos observar que o tipo do Maccus da Farsa Atelana, consiste em
uma espécie de ancestral do Arlecchino da Commedia Dell’ Arte. Mas nesse
tópico o que é importante destacar é que Plauto enfatizou, em suas comédias,
o contraste entre os ricos e os pobres.
A aristocracia (a nobreza) é ridicularizada pela comédia popular, quando
os ricos ou mais velhos são logrados pelos seus servos. Apesar de estes
serem oprimidos pelo poder de seus superiores, eles têm a vantagem da
astúcia, elemento principal destes personagens. Dessa forma, os
personagens/tipos são construídos na Farsa Atelana, assim também acontece
na Commedia Dell’ Arte.
É importante destacar que a aristocracia é criticada por meio de paródias
e sátiras por diversos dramaturgos, desde as representações dos deuses e dos
heróis na Grécia Antiga. Esta crítica ganha força com a constituição dos tipos
da Commedia Dell’ Arte, principalmente por destacar os conflitos entre os
velhos e os servos. Esse grupo será denominado de Vecchi (velhos) e Zanni
(servos), como veremos a seguir, no próximo tópico.
1.3 O Surgimento da Commedia Dell’ Arte
No tópico anterior foi colocado que a Fábula (ou Farsa) Atelana continha
características e tipos que podem ter sido precursores da Commedia Dell’ Arte,
pois a representação da Fábula Atelana consistia no desenvolvimento
improvisado de intrigas pré-ordenadas. Essas intrigas aconteciam mediante
quatro tipos-fixos fortemente caracterizados nas máscaras, no comportamento
17
e no aspecto, estilizando tipos populares. São eles: Pappus – um velho
estúpido, avarento e libidinoso; Maccus – gozador, tolo, brigão; Bucco – com
uma boca enorme provavelmente por ser comilão, ou ainda tagarela
e Dossennus, um corcunda malicioso.
Podemos pensar que Pappus seria o Pantalone, na Commedia Dell’
Arte, ou Maccus o Arlecchino, ou ainda Bucco poderia ser Brighella. Enfim,
são máscaras aproximativas numa distância de quase dois milênios entre elas.
De acordo com BERTHOLD (2000), podemos dizer que as máscaras
gregas foram os principais elementos adotados pela Commedia Dell’ Arte. É
importante destacar que os atores já utilizavam máscaras - durante o período
de Cristo - para satirizar o poder, inclusive os cristãos que eram perseguidos
pelos soldados romanos na época.
Muito tempo depois, a própria igreja perseguiu os comediantes, a partir
do momento que eles exercitavam a liberdade de expressão. Ao ridicularizarem
inclusive membros da igreja, os comediantes foram banidos. Os atores tiveram
que improvisar apresentações em praças, ruas e viviam como saltimbanco4
. As
apresentações, muitas vezes, ridicularizavam o poder, ou seja, a Aristocracia.
Com isso, o gênero da comédia popular ganhava prestígio e a identificação do
povo.
Com o passar do tempo, durante os séculos XV e XVI, o gênero da
comédia ganhou um status maior pelo seu conjunto de elementos, que
formaram uma expressão artística única: a Commedia Dell’ Arte. Antes disso,
sua origem era baseada na comédia popular e era chamada de “Commedia All
Improviso” e “Commedia a Soggetto”. Inicialmente, a Commedia Dell’ Arte tinha
como forte característica a oposição ao “Teatro Erudito”, que será explorada no
terceiro capítulo.
Os atores da Commedia Dell’ Arte se identificavam por utilizarem
máscaras na construção de seus personagens. É importante destacar que as
4
“O Saltimbanco era um artista popular que, nas praças públicas, quase sempre em cima de
um tablado, fazia demonstrações de habilidades físicas, de acrobacias, de teatro improvisado,
antes de vender ao público objetos variados, pomadas ou medicamentos.” (PAVIS, 1999,
p.349)
18
máscaras eram utilizadas como elemento básico na investigação da
corporeidade e interpretação do ator. Era também a partir do estudo da
máscara que os atores descobriam os sentimentos e os traços que eram
responsáveis por dar vida ao personagem/tipo.
A Commedia Dell’ Arte também foi responsável por outros elementos
artísticos, que foram utilizados e aperfeiçoados com a evolução da arte: a
pantomima, improvisação, personagens tipificados e cenas repetidas (Lazzi).
Este último elemento, também será explicado adiante.
Na Antiguidade clássica grega, as tragédias caracterizavam-se pela
representação de deuses e heróis. Entretanto, a comédia ridicularizava a
imagem dos personagens representativos da nobreza. Com o passar do tempo,
podemos dizer que a Commedia Dell’ Arte resgatou a essência da comédia
grega, que era de criticar o poder e a aristocracia, que oprimia a classe menos
favorecida.
De acordo com a análise dos personagens da Commedia Dell’ Arte,
identifiquei-os em duas classes sociais: a aristocracia e o proletariado. A
primeira é formada pelos personagens patrões, intelectuais, ou seja, aqueles
que exercem o poder: Vecchi (“velhos” em italiano). A segunda classe social é
formada pelos personagens/tipos empregados, criados, que constituem a
classe dos Zanni (os servos).
Durante as representações da Commedia Dell’ Arte, é possível ver estas
duas classes entrando em conflito a todo momento. Se um patrão oprime o
criado, este consegue uma maneira de ganhar uma vantagem em cima de seu
patrão. O poder é ridicularizado pela astúcia, pelas traquinagens dos Zanni e
estes são oprimidos pelo poder aristocrata dos Vecchi.
Entre os principais tipos da Commedia Dell’ Arte, podemos observar que
os Zanni – cuja principal virtude é a astúcia – são os responsáveis por
contrapor o contexto social em que estão inseridos e por superarem a
inteligência dos Vecchi, que são os patrões.
Entre os zanni, Arlecchino é o tipo mais popular. Ele encarnava uma
mistura de esperteza com ingenuidade, estando sempre no núcleo dos
19
conflitos. Brighella era o companheiro mais próximo de Arlecchino, aquele se
caracterizava por ser um criado libidinoso e cinicamente astuto. Colombina era
a namorada de Arlecchino, usualmente retratada como inteligente e habilidosa.
Entre os principais personagens dos Vecchi, estão:
- Pantalone, que se destaca por ser um rico veneziano, avarento e
conservador. Também era apaixonado por provérbios e a ira fazia parte de seu
humor.
- Dottore aparecia, algumas vezes, como amigo ou rival de Pantalone.
Dottore era o representante do erudito, era vaidoso por ostentar sua
intelectualidade, por expor lições de morais para os demais personagens, mas
sempre era enganado pelos outros, devido sua ingenuidade e acabava
contradizendo-se entre o que falava e fazia.
Havia também a presença do terceiro grupo, formado pelos
Enamorados que não usavam máscaras. Entre os principais personagens
estão:
- Horácio, personagem egoísta, fútil e vaidoso, vestido sempre na última
moda.
- Isabella, apesar de sua inocência, era sedutora e apaixonava-se
facilmente. Geralmente, a enamorada era cortejada por dois pretendentes, um
jovem e um velho.
Os Zanni se caracterizam por serem astuciosos e usarem essa
qualidade para obterem vantagem a favor de si mesmos. Eles são o tipo de
personagens que sofrem, são humilhados por seus patrões, que perdem
durante a história, mas no final conseguem dar a volta por cima tirando
vantagem de alguma situação.
A Commedia Dell’ Arte surgiu na segunda metade do séc. XV, atingiu
sua maior popularidade no séc. XVII e chegou até meados do séc. XVIII,
quando entrou em declínio. Este gênero teatral que durou aproximadamente
dois séculos e meio exerceu grande fascínio por quase toda a Europa, mas
ultrapassou o tempo e o espaço, chegando até os dias de hoje.
20
A partir da divisão entre as classes sociais na Commedia Dell’ Arte,
podemos observar que este conflito social é bastante presente também no
cotidiano da sociedade contemporânea. E para destacar os conflitos entre
classes, iremos analisar no capítulo seguinte, um dos principais meios de
comunicação de massa, que desde a sua criação, é responsável por influenciar
no comportamento da sociedade: a mídia televisiva.
21
Capítulo 2: Chaves e a Comédia Popular Televisiva
No presente capítulo iremos analisar os principais aspectos da mídia
televisiva e sua influência na rotina e ações da sociedade. Contudo, não é o
objetivo deste trabalho o aprofundamento do histórico da Indústria Cultural,
mas nos determos no seriado Chaves.
2.1 A Indústria Cultural e a influência da Mídia Televisiva no
comportamento da sociedade
No início do século XX, os filósofos alemães Max Horkheimer (1895-
1973) e Theodor Adorno (1903-1969), consideraram o avanço tecnológico,
como prejudicial a sociedade, por contribuir com o surgimento de novas
expressões artísticas que dependiam do retorno lucrativo de suas produções.
Desde então, estes filósofos nomearam estes grupos de “Indústria Cultural”.
Entre as principais expressões que destacaram-se com o avanço tecnológico,
podemos citar o cinema, a televisão e o rádio.
Atualmente, a Indústria Cultural tem sido o principal sistema
responsável por influenciar o comportamento da sociedade nas últimas
décadas. A exemplo disso, podemos destacar a televisão, que tem sido um
dos maiores meios de comunicação de massa, desde sua criação. Ela está
presente no cotidiano das pessoas, assim como a internet que, nos últimos
anos, divide o espaço com a televisão e está cada vez mais em evidência,
como uma “necessidade” diária das pessoas estarem “conectadas” ao mundo.
Todavia, nos tempos atuais, a Indústria Cultural e em específico a
televisão, tem passado por muitas críticas, sendo acusada por teóricos, pela
banalidade de suas programações, visando apenas obter a audiência para
suas respectivas emissoras e o lucro proveniente delas.
Para enfatizar esta situação, é importante citar a Escola de Frankfurt,
que era formada por diversos teóricos, que criticavam a comunicação de
massa, como um todo. No livro O que é indústria, do escritor TEIXEIRA
COELHO, podemos destacar tais críticas em relação à indústria cultural na
22
seguinte citação: “[...] Identificavam a indústria cultural como indústria da
diversão entendida como instrumento de alienação” (COELHO, 1984, p.15)
Em relação à indústria da televisão, esta “alienação” é referente à mídia
consumista, que influencia nas atitudes rotineiras da sociedade, por meio de
seu mercado publicitário. Pois este mercado específico acaba incentivando o
espectador a seguir o padrão de consumo do momento. Podemos citar alguns
exemplos: os trejeitos do personagem de uma novela, a cerveja saborosa, a
maquiagem ideal, a roupa que está na moda, entre outros produtos.
De acordo com a crítica em relação à Indústria Cultural, que boa parte
da programação televisiva, é considerada como mercado de massa
(masscult). Segundo os teóricos de Frankfurt, esta “massa” é uma
denominação pejorativa para identificar “produtos de baixa qualidade”.
Contudo, estes críticos e estudiosos, acabam inevitavelmente
generalizando todos os produtos do mercado televisivo, considerando assim,
“que todas as programações são de baixa qualidade, por não contribuírem para
o conhecimento cultural da sociedade”.
Para se opor a essa linha de pensamento, (COELHO, 1984) faz um
breve comentário, em relação aos críticos da Indústria Cultural:
Particularmente após os estudos da Escola de Frankfurt,
proclamadores de uma sentença de condenação contra a indústria
cultural, o prazer foi particularmente banido dos produtos dessa
indústria. É comum ver um crítico que exige seriedade e engajamento
da TV ou do rádio, esquecer completamente essa exigência quando,
por exemplo, trata de um filme de Fellini. Quer dizer: quando o
negócio é com a cultura dita superior, tudo é permitido; da cultura
inferior, da masscult, exige-se seriedade. Este é um índice claro da
existência de um preconceito contra a cultura pop, contra o povo: "a
massa é ignorante e portanto não pode perder tempo com prazer;
temos, nós, de torná-la culta, através da seriedade". (COELHO,
1984,pág.16 e 17)
O grande problema de generalizações em relação à qualidade das
produções televisivas, é que estas críticas radicais, acabam se tornando
preconceituosas, por defenderem uma ideologia absoluta. É importante
destacar, que essa situação não ocorre somente na Indústria Cultural, mas
23
também em outros contextos: religião, política, raça, opção sexual,
nacionalidade, entre outros.
Compreendendo o dito popular de que “gosto não se discute”, todavia,
ao criticarmos algum produto da mídia televisiva, ou de qualquer outra
espécie, precisamos analisá-lo com certa neutralidade do ponto de vista
técnico. Sendo assim, podemos afirmar que a televisão, propriamente dita, é
um mercado de massa? Será que todas as produções televisivas não tem
algum valor cultural e intelectual?
Para responder tais questionamentos, optei por analisar o seriado
televisivo Chaves, por ser considerado um produto do “mercado de massa”,
que foi produzido na década de 70 e, para muitos, é considerado como infantil
e um produto muito simples (até precário) da mídia televisiva. Mas seu
sucesso foi crescente e continua firmado no gosto popular, em seu país de
origem, o México, em outros países sul-americanos e principalmente no Brasil.
Após obter o conhecimento da Commedia Dell’ Arte, comecei a
comparar os principais aspectos dos tipos desta expressão teatral, com as
características dos personagens do seriado Chaves. Com isso, obtive diversos
indícios de proximidade entre ambas, principalmente pela percepção de
representação do cotidiano da sociedade, enfatizando os conflitos entre as
classes sociais existentes dentro de um contexto histórico e cultural. Contudo,
faz-se necessário conhecer alguns aspectos pessoais do criador do seriado
Chaves, que obteve o seu sucesso “Sem querer querendo”, como veremos a
seguir.
2.2 Chespirito - O pequeno Shakespeare
Roberto Gómez Bolaños, também conhecido no México como Chespirito
(pequeno Shakespeare), nasceu na Cidade do México no ano de 1929. Na sua
infância sonhou em ser jogador de futebol profissional, já na adolescência,
engenheiro e boxeador. Na sua juventude, também tinha um hobby que foi o
principal responsável pelo seu sucesso no futuro: a de escritor. Ele costumava
24
escrever para uma coluna jornalística chamada Cuartilla Loca, de um jornal da
Cidade do México.
Anos mais tarde, Chespirito viu um anúncio em um jornal, que
precisava de uma vaga para aprendiz de produtor de TV e outra vaga para
escritor. Ele aproveitou seu talento e se candidatou a vaga de escritor na
agência de publicidade D’ Arcy. Depois foi contratado e começou a escrever
textos publicitários: frases para comerciais, folhetos, cartazes, letras de jingles
para diversos produtos e programas de rádio e televisão.
A publicidade estava mostrando um futuro promissor para Chespirito,
mas ele gostaria mesmo é de escrever textos para teatro, pois em sua
adolescência, costumava escrever alguns textos e apresentava peças de teatro
com seus amigos no clube Los Aracuanes.
A partir de então intensificou sua leitura e escrita, com o intuito de
especializar-se como escritor. Sua premiação ocorreu quando Carlos Riverolli
del Prado - criador de várias séries de rádio no México, viu seu talento e o
convidou para escrever roteiros para um dos mais famosos programas de rádio
da época: Virulita e Capulina. Ele não desperdiçou a oportunidade e foi até a
sede da XEW, rádio responsável por transmitir a série de Viruta e Capulina,
interpretadas, respectivamente, por Marco Antonio Campos e Gaspar Henaine.
A dupla cômica da série simpatizou rapidamente com o escritor talentoso.
Em pouco tempo, Chespirito recebeu a resposta do público: os ouvintes
riam bastante de suas piadas, motivo este que foi o bastante para ganhar mais
15 minutos de transmissão, totalizando 30 minutos de série e assumir o
primeiro lugar na audiência da rádio. Para sua surpresa, o mesmo patrocinador
que havia feito a proposta de escrever roteiros para a série Viruta e Capulina,
questionou se ele estaria disposto a escrever algo semelhante para a televisão.
Mais uma vez, ele aproveitou seu talento como escritor: a série de rádio Viruta
e Capulina ganhou um programa televisivo chamado de Cómicos y Canciones
Adams no canal 2, do então, Telesistema Mexicano.
25
Em pouco tempo, a transmissão televisiva da série se tornou a mais
popular da televisão Mexicana e Chespirito se tornou o escritor mais solicitado
e bem pago do mercado televisivo.
Chespirito continuou escrevendo os roteiros do programa de TV
Cómicos y Canciones e se destacava pelo seu talento como escritor. Até que
ocorreu um imprevisto: um dos atores não apareceu para gravar o programa.
Por causa da concorrência entre as emissoras e a briga pela audiência, o
problema teve que ser resolvido rapidamente.
Foi a partir de então que o diretor de produção do programa, Mario de la
Piedra, incentivou Juan ‘El Gallo’ Calderon - diretor do programa - que
colocasse Chespirito para interpretar no lugar do ator que havia faltado na
gravação. Apesar dele, em princípio recusar, acabou aceitando a proposta e
destacou-se como ator e pela criatividade de seus personagens.
É importante ressaltar que Chespirito não tinha nenhuma experiência
sobre atuação para a TV. Então ele resolveu investir em si próprio, lendo livros
e estudando conceitos básicos de atuação para a televisão. A aceitação do
público e de seus amigos de cena foi imediata e ele continuou a escrever o
roteiro do programa além de atuar.
A medida que ia evoluindo como roteirista e ator de Cómicos y
Canciones, também houve algumas desavenças econômicas, entre a dupla
cômica do programa. A situação ficou séria quando um dos atores, Gaspar
Henaine - intérprete do personagem Capulina - começou a incomodar-se com a
crescente admiração do público, em relação ao escritor e ator Chespirito,
nesta época já era chamado de “pequeno Shakespeare” pelo talento de seus
roteiros e por sua estatura ser baixa. Esta situação, fez com que Chespirito
renunciasse o cargo de escritor e ator de Cómicos y Canciones, mas logo foi
chamado por outros diretores de programas televisivos, também para escrever
e atuar no cinema.
No dia 25 de Janeiro de 1969, foi a data de inauguração das
transmissões do canal 8 (TIM). Os diretores da TIM precisavam de um roteirista
26
com experiência e talento para criar algumas programações para o recente
canal.
Chespirito ficou responsável por criar uma série humorística, que se
chamava El Ciudadano Gómez5
. Ele aproveitou a oportunidade e colocou seu
próprio sobrenome para o personagem protagonista. Este personagem tratava-
se de um cidadão que sofrera um acidente de carro e perdia a memória e, por
este motivo, acabava se metendo em algumas encrencas por querer ajudar os
mais necessitados.
Com o sucesso de El Ciudadano Gómez, Chespirito recebeu outra
proposta, dessa vez o produtor de origem cubana, Sergio Pena, fez um convite
referente para uma participação em um programa semanal intitulado Sábados
de la fortuna, que seria exibido durante todo o dia, com apresentações de
danças, músicas, inclusive de quadros humorísticos.
Foi neste momento, que Chespirito criou a esquete Los supergenios de
la mesa cuadrada que caracterizava-se por fazer paródias referentes a jornais
esportivos de mesa redonda, que fazia sucesso no México, na época. Foi nesta
esquete, que ele criou o personagem Dr. Chapatin: um velho ranzinza e
atrapalhado. Ele parodiava alguns médicos e cientistas.
Mais uma vez, o escritor mexicano obteve sucesso em suas criações,
mas resolveu acabar com o quadro Los Supergenios de la mesa Cuadrada,
porque o programa acabou desagradando algumas pessoas do meio artístico,
que eram vítimas das piadas dos atores do programa. BOLAÑOS (2012)
destacou em sua biografia oficial:
Eu me dei conta de que estava abusando e lançando mão de
recursos indevidos, porque eu não tinha direito de fazer piada
com as pessoas. Todos me diziam: “Você está louco. É
justamente isso que dá certo”. Sim, mas eu já não queria
causar aqueles danos. (BOLAÑOS, p. 69)
5
Esta foi a primeira série humorística criada por Chespirito e também foi a primeira vez que ele
interpretou ao lado de Ruben Aguirre, que viria a ser o Prof. Girafales no seriado Chaves. El
Ciudadano Gómez chegou a ficar em 1º lugar, disputando semanalmente com o canal 2 (que
viria a se tornar a atual Televisa).
27
O comentário de Chespirito retrata as condições que se encontra a
comédia popular televisiva atualmente, onde muitos humoristas e comediantes
são processados pela intensidade invasiva e desrespeito de suas piadas, em
relação às pessoas conhecidas da sociedade, até mesmo do meio artístico. De
acordo com esta perspectiva, considero a preocupação e o respeito em relação
aos outros, como um dos possíveis motivos do sucesso de Chespirito e seus
tele seriados.
Esta argumentação fica comprovada quando ele recebe um programa
próprio, já na Televisa (canal 2) do México. O nome do programa era o seu
próprio apelido artístico, que se tornaria reconhecido em toda a América Latina:
Chespirito. Ele recebeu uma hora de programa para criar seus novos
personagens. E foi exatamente em seu novo programa, que criou seus
principais personagens de sucesso: Dr. Chapatin, Chómpiras (no Brasil foi
apelido de Beterraba, Garrafa e também de Chaveco), Pancada Bonaparte,
além de fazer esquetes parodiando O Gordo e o Magro e Charles Chaplin.
Também criou dois de seus principais personagens: O Chapolin Colorado (El
Chapulín Colorado) e Chaves (El Chavo del Echo).
Chapolin Colorado trata-se de um super-herói desajeitado, medroso e
feio, esteticamente falando. O objetivo do autor mexicano, com o Chapolin
Colorado, era de parodiar os super-heróis americanos, que caracterizam-se,
em sua maioria, por serem milionários, inteligentes, seguirem um padrão
estético americano, e possuírem super - poderes.
O Chapolin Colorado tem semelhanças com o tipo do Capitão da
Commedia Dell’ Arte, porque ambos têm as características de serem valentes,
mas no momento da batalha, demonstravam medo. Chespirito enriqueceu o
personagem Chapolin Colorado, ao enfatizar a fraqueza e o medo do
personagem, para superar seus limites e assim salvar os necessitados.
Embora muitas vezes, ele acabava ajudando mais os vilões com suas
trapalhadas, mas no final sempre conseguia obter êxito. Portanto, Chapolin
Colorado é outro objeto de pesquisa que pode ser observado em relação aos
tipos da sociedade e da própria Commedia Dell’ Arte em outra oportunidade.
28
Apesar de ter feito muito sucesso com o Chapolin Colorado, foi com o
programa Chaves, que Chespirito foi reconhecido mundialmente e superou
seus próprios limites, como ator e escritor. O próprio bordão do personagem
Chaves enfatizava a todo instante, seu destino artístico: “Foi sem querer
querendo”.
2.3 A Dramaturgia do seriado Chaves
Em 20 de Junho de 1971, foi criado o seriado Chaves. Em instantes, o
nível de popularidade do seriado, ultrapassou as fronteiras do país, chegando a
conquistar quase toda a América Latina.
Com o sucesso de Chaves na emissora de televisão TIM (canal 8),
Emilio Azcárraga Milmo – presidente do Telesistema Mexicano – fez uma
proposta para Chespirito transferir-se para o Telesistema, porque o seriado
Chaves competia com o canal de Emilio e ganhava muita audiência para a TIM.
A proposta de Emilio tratava-se do dobro do cachê que Chespirito recebia na
TIM por cada episódio produzido e de 300 mil pesos para a produção.
Pouco tempo depois, a TIM (canal 8), que foi responsável pelas
oportunidades oferecidas ao criador de Chaves, passa por uma fusão com o
Telesistema Mexicano (canal 2), criando a partir de então, o maior grupo de
televisão do México: Televisa.
Já no canal 2 (Televisa), em pouco tempo, Chaves atingiu os patamares
da audiência de forma inesperada, não somente no México, mas em boa parte
da América Latina e Central.
O seriado era constituído pelos seguintes atores: Roberto Gómez
Bolanõs (Chaves), Carlos Villagrán (Quico), María Antonieta de las Nieves
(Chiquinha/Dona Neves), Édgar Vivar (Seu Barriga/Nhonho), Ramón Valdéz
(Seu Madruga), Rubén Aguirre (Prof. Girafales), Florinda Meza (Dona
Florinda/Pópis), Angelines Fernández (Dona Clotilde), Raúl Padilla
(Jaiminho – o carteiro) e Horacio Bolaños (Godinez). Este último era irmão
de Chespirito.
29
O primeiro aspecto a ser analisado no seriado, é a presença de atores
adultos ao interpretarem crianças, juntamente com atores que faziam somente
personagens adultos. É importante destacar, que na primeira interpretação do
personagem Chaves – em 1971, ainda na TIM – Chespirito tinha 42 anos.
Este fato foi um dos principais motivos, que despertou a curiosidade e atenção
dos espectadores. Principalmente porque a interpretação das crianças era
convincente, em outras palavras, a mimese era elemento essencial do
programa. As crianças interpretadas pelos atores eram inspiradas no cotidiano,
assim havia uma identificação do público com os personagens e com o
contexto social em que cada criança estava inserida.
Sabemos que para um ator interpretar uma personagem criança, ou
qualquer outro tipo de personagem, é preciso estudar não somente o
comportamento delas, mas de fazer uma construção de sua interpretação a
partir do meio em que estão inseridas. No caso de Chaves, uma vila onde
moram vizinhos de diferentes classes sociais.
O segundo aspecto responsável por causar a empatia do espectador,
em relação ao seriado Chaves, é a presença melodramática contida nos
episódios.
Ao analisarmos os episódios do seriado, podemos constatar o clímax da
carga melodramática, principalmente nas cenas do protagonista Chaves,
quando este é posto diante de uma situação triste, acompanhado de uma
música de fundo melancólica. Contudo, as características do personagem
Chaves, serão detalhadas mais a frente, juntamente com o personagem
Arlecchino, da Commedia Dell’ Arte.
CARDOSO (2005), enfatiza em sua dissertação “A Saga do Herói
Mendigo: O riso e a Neopicaresca no programa Chaves – a influência do
Melodrama6
, no sentimento do espectador:
6
Segundo Patrice Pavis: “O melodrama (literalmente e segundo a etimologia grega: drama
cantado) é um gênero que surge no século XVIII, aquele de uma peça – espécie de opereta
popular – na qual a música intervém nos momentos mais dramáticos para exprimir a emoção
de uma personagem silenciosa”.
(PAVIS, 1999, p. 238)
30
(...) O melodrama apresenta um forte caráter emocional,
principalmente no sentido de fazer chorar, (...) A colocação moral das
lágrimas é característica da produção da cultura de massas, tendo
sido completamente absorvida pela indústria cinematográfica da
América Latina nas décadas de 30, 40 e 50 do século passado. Esse
choro atua no sentido de catarse legítima de emoções como piedade
e temor, articulando moral e catarse. (CARDOSO, 2005, p. 92)
Como podemos verificar, o autor de Chaves utilizou cenas
melodramáticas, com o objetivo de que o espectador refletisse sobre a
“orfandade” do personagem. Não se tratava de “incentivar o espectador a ter
pena do personagem”, pelo contrário, são nas cenas melodramáticas, que
ocorre o clímax da crítica social do seriado.
Todavia, Chespirito utilizava sempre uma gag7
, logo depois de o
espectador, ser tocado pela carga emotiva da cena. Com isso, ele conseguia
algo que poucos comediantes conseguem despertar no público: sorrir e se
emocionar ao mesmo tempo.
Vale ainda destacar que os episódios ainda são exibidos
constantemente pelo Sistema Brasileiro de Televisão (Sbt) – emissora de TV
do empresário e apresentador Silvio Santos – e mesmo assim continuam
despertando a emoção e risos nas cenas melodramáticas do personagem
Chaves.
Apesar de não haver um depoimento do próprio Chespirito, afirmando
que tinha se inspirado na Commedia Dell’ Arte, enfatizaremos os principais
elementos interpretativos, que indiquem as proximidades entre a dramaturgia
do seriado Chaves, em relação à mesma.
7
Gag: efeito burlesco. São jogos de cena que contradizem o discurso da cena e serve como
uma saída para o ator improvisar em situações inusitadas. É semelhante aos lazzi da
Commedia dell’Arte. (PAVIS, 1999).
31
Capítulo 3: A Commedia Dell’Arte e o seriado Chaves –
Relações que atravessam o tempo
Após termos abordado a origem da Commedia Dell’ Arte, de
identificarmos o autor Roberto Gómez Bolaños e também de investigar os
indícios que ressaltam evidências da proximidade do seriado Chaves, com a
Commedia Dell’ Arte, é o momento de relacionar os dois objetos dessa
pesquisa, a partir de aspectos semelhantes nos episódios do seriado.
É importante destacar que serão analisados os seguintes personagens:
Chaves, Quico, Chiquinha, Seu Madruga, Prof. Girafales e a Dona
Florinda, porque estes personagens, demonstraram maior evidências de
proximidade, no que diz respeito a caracterizações e ações com os respectivos
tipos: Arlecchino, Brighella, Colombina, Pantalone, Scaramuccia, Dottore e
Enamorados, da Commedia Dell’ Arte.
3.1 O Estudo da Natureza do Homem
Provavelmente, os atores da Commedia Dell’ Arte costumavam observar
os trejeitos das pessoas da sociedade para a construção dos principais
arquétipos. A exemplo disso, o comediante Charles Chaplin, enfatiza sobre
como fazia as pessoas rirem, ao ser questionado pelas pessoas, de qual seria
a fórmula de tanto êxito de seus filmes:
Não há mistério para fazer rir o público. Todo o meu segredo
foi o de ter mantido os olhos abertos e o espírito vigilante em
relação a todos os incidentes capazes de serem utilizados em
meus filmes. Estudei o homem porque, sem o conhecer, nada
poderia ter feito na minha profissão. (...) o conhecimento do
homem está na base de todo êxito. (CHAPLIN, 1989, p. 73)
Seguindo o comentário de Charles Chaplin, podemos identificar a
presença da observação da natureza do homem, no método de criação
dramatúrgica, dos personagens de Chespirito, principalmente por este analisar
as principais características das pessoas e enfatizar os conflitos de acordo com
a composição das classes sociais.
32
Em sua biografia Chaves - A História oficial Ilustrada, Chespirito
enfatiza como surgiu a ideia de criar seus personagens, que continuam
fazendo sucesso até hoje. Vamos observar seu comentário, a respeito da
criação do personagem Quico, por exemplo:
Este personagem me ocorreu certa vez quando estávamos em
uma festa de adultos e algumas crianças se reuniram. Havia
um dos garotos que eu não suportava, porque era convencido
demais, e tirei muitas coisas daquela situação. Ele dizia ‘Ah, diz
que sim, não seja malvado’. Pensei: ‘Se alguém me dissesse
isso na vida real, eu não sei o que eu faria.’ (BOLAÑOS, 2012
p.111)
Esse tipo de observação é um dos principais aspectos que beneficia a
autoria artística dos atores, na criação de personagens e de situações. O ator
observa determinada ação do cotidiano e guarda aquela cena para si, mais
tarde ele utilizará aquela cena em alguma situação encenada: seja no teatro,
cinema, televisão, ou em qualquer lugar e situação.
Podemos constatar no comentário de Zurca Sbano8
, a presença da
estrutura dramatúrgica do estudo da natureza do homem, na constituição dos
personagens tipificados da Commedia Dell’ Arte:
Sempre nas peças tinha o cínico, que se chama hoje vilão. Na
linguagem teatral era a classificação dos elementos do elenco: o galã
– o mocinho; a moça que trabalhava, a mocinha, chamava-se
ingênua. O pessoal do teatro hoje não conhece. Ingênua. Nessa peça
tinha o pai da moça, que era o centro dramático. O centro dramático
era aquele, o chorão, o sofredor; era o centro dramático. O
intermediário a isso, o centro nobre. Então as mulheres eram: a
ingênua, a caricata, a dama central; isso é o nome como se dava (...)
O primeiro cômico, o segundo cômico. E justamente os principais: o
galã, centro dramático, cínico e cômico. Agora, entre esses tem a
dama central, tem o centro nobre, essas coisas. E tem ainda o artista,
o caricato, o genérico, que faz todos, se adapta a qualquer papel,
tudo isso. Era a designação do elenco. E, então, quando saíamos na
rua, o povo passava assim: “Olha lá, aquele, aquele, aquele é o...”
Chamava pelo nome da peça, sabe, o povo [risos]. “Olha lá, ali vai...
Aquele é o barão. Aquele é o Servieris; olha lá, é o... aquele homem
ruim” [risos], isso e aquilo, “aquele é o Álvaro”, chamava pelo nome
do galã. “Aquele é o Álvaro, olha lá, aquele disse assim, isso e aquilo.
Aquele é o Tomé, o isso e aquilo”, o nome do cômico. Chamavam
assim com aquela admiração (Entrevista com Zurca Sbano. São
Paulo, 1998).
8
Zurca Sbano: Artista Tradicional de Circo-Teatro em entrevista para a dissertação (Mestrado
em Teatro) de MERISIO, Paulo: O espaço cênico no circo-teatro: caminhos para a cena
contemporânea. Rio de Janeiro, 1999.
33
De acordo com as informações detalhadas, Chespirito obteve o retorno
imediato, por utilizar o próprio público como objeto de laboratório para a
construção dos personagens.
Mais uma vez identificamos a presença da mimese (imitação), como
elemento essencial nas criações dos personagens. Ainda mais se tratando do
gênero de comédia, ela tem o poder de causar no espectador, a identificação
do personagem, para com o mesmo. Se nas tragédias gregas, seu principal
efeito era o estímulo da catarse, nas comédias clássicas e modernas, sua
função é despertar o riso no espectador, por meio da representação dos
mesmos, procurando enfatizar vários elementos de identificação com a
sociedade. Como por exemplo: comportamentos, trejeitos, crítica social, entre
outros atributos. Portanto, ao aliar a observação do cotidiano do homem e
estimular a prática da imitação do mesmo, poderemos obter estes efeitos.
A Commedia Dell’ Arte, por tratar-se de uma expressão artística do
século XVI, confirma esta linha de pensamento, ao identificarmos seus
principais aspectos em diversas obras de dramaturgos na modernidade, em
específico o seriado Chaves.
3.2 Quadros comparativos entre as duas Expressões Artísticas:
A Commedia Dell’ Arte e o seriado Chaves
3.2.1 A crítica das classes sociais
Como dito anteriormente, a Commedia Dell’ Arte se divide em três
grupos de personagens: Vecchi, Zanni e Enamorados. Contudo, está inserida
em duas classes sociais distintas: aristocracia e proletariado. Traduzindo em
termos populares, a primeira classe é a da riqueza e a segunda da pobreza.
Os personagens Vecchi (Pantalone e Dottore), por exemplo, estão
inseridos na classe superior, enquanto os personagens Zanni (Arlecchino,
Brighella e Colombina) estão inseridos nas classes inferiores. Os
Enamorados geralmente faziam parte da classe superior, pelo motivo de um
34
personagem ser filho do Vecchi Pantalone e o outro ser filho do Dottore.
Sendo assim, é a partir desta constituição de classes sociais, presentes na
Comedia Dell’ Arte, que surgem os conflitos.
O seriado Chaves também é constituído pelos conflitos das classes
sociais. A diferença está no contexto histórico dos séculos XV e XVI da
Commedia Dell’ Arte, para o século XX, período em que foi produzido o
seriado.
Ao analisar detalhadamente os cenários, os personagens e o contexto
em que está inserido o seriado em questão, iniciei por um quadro que identifica
a presença de duas classes sociais distintas: a classe média e a classe baixa.
CLASSE MÉDIA CLASSE BAIXA
Seu Barriga Chaves
Prof. Girafales Seu Madruga
Dona Florinda Chiquinha
Dona Clotilde
Nhonho
Quico
A utilização gráfica deste quadro contribuiu na identificação social de
cada personagem do seriado, cujo cenário principal trata-se de uma vila, onde
moram alguns vizinhos, que entram em conflito a todo instante, principalmente
pela diferença do status social entre eles.
Com isso, podemos observar – tanto nas representações da Commedia
Dell’ Arte, quanto do seriado Chaves, e inclusive de outras obras que tenham
como base o conflito entre as classes sociais – a opressão da classe superior
em relação à classe inferior e a utilização da astúcia, como elemento essencial,
para que a classe inferior ganhe vantagem em relação à classe superior.
35
Portanto, observamos que a riqueza e a pobreza estão inseridas no
contexto social do seriado e são os principais fatores, responsáveis pelo
conflito das classes. Dessa forma o seriado Chaves destaca, através do
contraste entre a “nobreza” e o proletariado, o modo de vida dos personagens
e, assim, a identificação dos espectadores acontece. Podemos constatar essa
afirmativa, pelo comentário da escritora de livros infantis Ruth Rocha, que
enfatiza a pobreza positiva do seriado Chaves, contrapondo-o à ousadia do
programa infantil Castelo Rá-tim-bum da TV Cultura:
O melhor programa infantil é o Chaves do Sbt. Pode ser pobre, feio,
mas quem escreve aquilo é inteligente. Chaves é circense. As
crianças se identificam com os diálogos, com os trocadilhos, com as
cenas de pastelão e com o personagem-título, que se comporta
exatamente como elas. É uma atração simples e divertida, que não
faz mal a ninguém. Considero-o melhor que o Castelo Rá-tim-bum, da
TV Cultura. O Castelo é consistente, tem ótimos atores e atrizes e no
deserto da TV brasileira, é uma maravilha. Mas é um pouco “over”,
exagerado. O Castelo tem muita cor, ruído, grito, correria, apelo
sensorial. As crianças, principalmente as menores, têm dificuldade
em assimilar o que acontece na tela. (Entrevista para a Revista VEJA,
5/5/1999).
É importante destacar que o objetivo desta citação não é de comparar os
programas televisivos citados pela jornalista Ruth Rocha, mas sim de enfatizar
a simplicidade do seriado Chaves que se utiliza da crítica social e consegue
atingir os espectadores através da identificação.
De acordo com esta perspectiva, observamos que Chespirito, destacou
o conflito social das classes, no seriado Chaves, por meio de observação do
cotidiano e comportamento da sociedade, também por ter estudado a natureza
do homem de um modo geral. É a partir destas definições, que podemos
relacionar as características entres os personagens do seriado e os tipos
humanos da Commedia Dell’ Arte.
3.2.2 Composição de Lazzi na dramaturgia do seriado Chaves
Esta pesquisa foi construída através de perguntas que precisavam
encontrar respostas, ou alguma direção para o entendimento de algumas
questões. Uma das perguntas formuladas foi: como o seriado Chaves
conseguiu tanto tempo de sucesso, com exibições ininterruptas fora de seu
36
país de origem e ainda, disputar a audiência com programas bem produzidos
de outras emissoras, sem ficar cristalizado com uma forma teatral que serviu
de base para a atuação dos atores?
O escritor brasileiro KASCHNER (2006) menciona sobre o humor e o
sucesso do programa: “(...) duas características importantes: a quebra da
expectativa e a proximidade entre Chaves e a Commedia Dell’ Arte”. A primeira
característica pode ser observada nas vezes em que o Prof. Girafales troca o
nome da Dona Florinda, denominando-a pelo nome de assunto em pauta no
episódio.
O Prof. Girafales chega à vila e conversa com as crianças – antes de
ver a Dona Florinda. O assunto que ele conversa com as crianças, fica em sua
mente. Então ele encontra a Dona Florinda e a chama por nomes que as
crianças falaram. Em alguns episódios ele chama a Dona Florinda de velha
carcomida, Dona chirimóia, entre outros apelidos, criados pelas crianças. Esse
é um dos elementos do seriado, que contribuem para a quebra da expectativa
da cena.
A relação que estabelece com a Commedia Dell’ Arte italiana, embora a
improvisação não domine o programa, pode ser divisada nos seguintes pontos
comuns:
 Atores que desempenham papéis fixos, ou seja, personagens
arquétipos;
 Tipos caracterizados pela indumentária (figurino);
 Mesmo cenário (a vila como pátio central);
 Correlação do personagem Chaves ao Melodrama;
 Conflito entre as Classes Sociais;
 Ridicularização da Aristocracia;
37
 Repetição de cenas prontas (Lazzi).
Em relação a estes pontos, acredito já ter mencionado os principais
nesta pesquisa e ter enfatizado sobre a mimese e a questão da ridicularização
da aristocracia. Vamos, então, aqui tocar no último quesito, os Lazzi.
Dentro da estrutura dos Canovacci9
, por exemplo, também existia a
possibilidade de intervenções autônomas, denominadas de Lazzi, onde os
atores comentavam ou destacavam, comicamente, as ações principais,
interligando as cenas e ocupando os espaços vazios, ou seja, tratava-se de
cenas repetitivas e prontas que o ator encaixava em todas as histórias e que
confirmavam a expectativa do espectador. Com o uso, esses Lazzi, eram
repetidos e fixados e passavam a fazer parte do repertório dos personagens.
Os Lazzi eram importantes por provocar o riso da plateia e também de dar
tempo para os demais atores realizarem tarefas necessárias, como trocar de
figurino ou qualquer outro reajuste do tipo.
O seriado Chaves utiliza diversas intervenções autônomas, assim como
os Lazzi identificados na Commedia Dell’ Arte. Como exemplo, podemos citar
as seguintes ações:
 Quando Seu Madruga leva uma tapa da Dona Florinda, Quico o empurra
e ele pula no seu chapéu;
 Quando Quico leva um beliscão do Seu Madruga e vai chorar no canto
da parede;
 Quando Chaves leva um cascudo do Seu Madruga, ele chora e entra no
seu barril.
9
De acordo com Patrice Pavis: ““O canevas é o resumo (o roteiro) de uma peça para as
improvisações dos atores, em particular na Commedia Dell’ Arte. Os comediantes usam os
roteiros (ou canovacci) para resumir a intriga, fixar os jogos de cena, os efeitos especiais ou os
lazzi. Chegaram até nós coletâneas deles, que devem ser lidos, não como textos literários, mas
como partitura constituída de pontos de referência para os atores improvisadores”
(PAVIS, Patrice 1999, p. 38).
38
O Diretor teatral e Professor de História da Arte, na Escola de
Comunicação da UFRJ, José Henrique Moreira, confirma a ligação de Chaves
com a Commedia Dell’ Arte e também enfatiza sobre a utilização dos Lazzi em
cena:
Os personagens têm poucas características, mas bastante profundas;
há vários lazzi, que são cenas prontas que o ator encaixa em todas
as histórias e que confirmam a expectativa do espectador – quando o
Seu Madruga joga o chapéu no chão e pula em cima, por exemplo; os
mais velhos são logrados pelos jovens, que estão sempre tentando,
ao seu modo, passar a perna, tirar vantagem; o poder é criticado – a
figura do Senhor Barriga -; a trama é farsesca. Além disso, Chaves é
o próprio Arlequim: não pode ver uma comida que sai correndo atrás.
Ele tem o tom jocoso, mas ao mesmo tempo doce, do Arlecchino.
(MOREIRA apud KASCHNER, 2006, p. 101).
Diante do comentário de MOREIRA, podemos constatar evidências que
comprovem a proximidade dos personagens do seriado em estudo, com os
principais tipos da Commedia Dell’ Arte. Desse modo, no tópico a seguir,
iremos analisar alguns episódios do mesmo, com o intuito de identificar as
principais características dos personagens.
Contudo, é importante destacar, que o objetivo não é de definir o tipo
fixo de cada personagem do seriado, mas de identificar os tipos predominantes
em um único personagem. Como é o caso dos personagens Seu Madruga, que
tem proximidade com o Pantalone e o Scaramuccia e o Prof. Girafales, que
tem características semelhantes aos tipos Dottore e Enamorado, como
veremos mais a frente, no tópico a seguir.
3.2.3 Comparação das características dos personagens/tipos
Dando início à análise, começaremos então pelo personagem mais
popular da Commedia Dell’ Arte: o Arlecchino (Arlequim), por este estabelecer
uma comunicação direta com o público proporcionando uma identificação entre
ele e as classes menos favorecidas. É também um tipo que produz humor
através de gags físicas e tem a esperteza como sua grande característica.
39
Figura 1 - Arlecchino anno 1671 - SAND Maurice. Masques et bouffons (Comedie
Italienne).
Fonte: Wikipedia, l’enciclopedia libera
10
Arlecchino é o principal personagem responsável por influenciar os
conflitos entre as classes sociais, ou seja, entre os Patrões e seus
empregados. Isto ocorre porque Arlecchino faz parte do grupo dos Zanni
(servos), aparece sempre com o desejo de obter um prato de comida e uma
terra para morar.
Figura 2 – Chespirito, no papel de “El Chavo” (Chaves)
Fonte: Página dos nosgeeks
11
8 –
Disponível em: <http://it.wikipedia.org/wiki/Arlecchino> Acesso em: 1 de jun. de 2014.
11
Disponível em: <http://nosgeeks.com.br/um-fenomeno-a-mais-de-40-anos-esse-e-o-nosso-
chaves/> Acesso em: 2 jun. de 2014.
40
É a partir desta perspectiva, que analisamos as características do
personagem Chaves, em relação ao Arlecchino da Commedia Dell’ Arte.
Ambos os personagens assemelham-se, principalmente, por serem
esfomeados. No caso de Chaves, essa característica é acentuada pela
orfandade do personagem.
Contudo há também outras características relevantes de Chaves, que
faz referência direta ao Arlecchino, como ser astuto, atrapalhado e ingênuo.
Esta última também é destacada pelo fato do personagem Chaves ser uma
criança.
É através das trapalhadas de Chaves, que são desenvolvidos os
conflitos entre os demais personagens, assim como acontece com o Arlecchino
nas representações da Commedia Dell’ Arte. Chaves utiliza também a astúcia a
seu favor para obter comida para matar sua fome, principalmente se for um
sanduíche de presunto, sua comida favorita.
Entretanto, há outra característica específica de Chaves, que é
importante destacar: a acrobacia. Pois essa era uma das principais
características que diferenciava Arlecchino dos demais personagens da
Commedia Dell’ Arte, já que era o personagem que mais explorava a
corporeidade, explorando saltos e quedas em suas cenas.
Ao analisar os episódios de Chaves, destaquei alguns fragmentos que
ressaltam o talento corpóreo de Chespirito, – intérprete do personagem
Chaves – por fazer referência à corporeidade de Arlecchino. Há vários
episódios onde podemos observar sua precisão corporal. Portanto, retirei três
fragmentos dos seguintes episódios:
O belo adormecido (1975)12
: Duração do episódio 22 min e 25 seg. Tempo do
fragmento retirado: 11:32 até 11:40.
O Futebol Americano (1976)13
: Duração do episódio 21 min e 12 seg. Tempo
do fragmento retirado: 17:34 até 17:48.
12
Disponível em: <http://www.youtube.com/watch?v=QENZKp1geNI> Acesso em: 16 jun. 2014.
13
Disponível em: <http://www.youtube.com/watch?v=4qNzgvSD3Oc> Acesso em: 16 jun. 2014.
41
Os Farofeiros (1977)14
: Duração do episódio 22 min e 17 seg. Tempo do
fragmento retirado: 7:45 até 7:56.
É importante destacar que todos os episódios analisados nesta
pesquisa, foram os exibidos no Brasil, traduzidos pela dublagem brasileira
(Maga)15
O que chama atenção nessas cenas é a corporeidade de Chaves em
diversas situações, dispensando o foco nos diálogos. Com isso, podemos
identificar evidências da relação do elemento acrobático de Chaves, para com
o Arlecchino e principalmente por Chespirito ter mais de 45 anos de idade, nas
gravações destes episódios, mas não abria mão de sua precisão corporal, que
adquiriu com os esportes que praticou em sua juventude.
BOLAÑOS (2012) enfatiza em sua biografia oficial Chaves – A História
Oficial Ilustrada, sua agilidade e flexibilidade corporal, que enriquecia
artisticamente seus personagens, em específico o personagem Chaves que se
tratava de uma criança:
Fiz todo tipo de personagem - alguns espantosos no cinema e
na televisão, mas comecei a me distinguir pela agilidade. Os
esportes que pratiquei durante a minha vida (boxe, futebol,
natação, salto e atletismo) me ajudaram a fazer muitas coisas:
boas quedas, saltos... As brigas de rua também ajudaram
muito, porque eu sabia brigar, sabia como dar golpes, como
contê-los... E também como recebê-los. (BOLAÑOS, 2012,
p.57.)
Portanto, podemos observar que Chespirito aproveitou seu talento
corporal, que contribuiu na constituição de seus personagens, a partir de suas
vivências. Vale ressaltar que tinha 45 anos quando começa a interpretar o
personagem Chaves de apenas 8 (oito) anos de idade. Semelhantemente,
essa é uma característica que resgata a essência do Arlecchino, porque na
Commedia Dell’ Arte, os atores costumavam representar os mesmos
14
Disponível em: <http://www.youtube.com/watch?v=8f95LEeOt8Y> Acesso em: 3 jun. 2014.
15
Maga (Abreviatura de Marcelo Gastaldi, proprietário da empresa de dublagem). Gastaldi,
dirigiu e dublou o personagem Chaves, no seriado do mesmo. Após o falecimento do dublador
em 1995, a empresa fechou.
42
personagens por toda a vida, com isso, proporcionavam uma cristalização do
tipo representado.
Assim como analisei o personagem principal do seriado, comparando-o
com o Arlecchino, fiz o mesmo com outros personagens.
Segundo os dados históricos pesquisados, o personagem Brighella era
o Zanni principal da Commedia Dell’ Arte e seu histórico está relacionado ao
personagem Arlecchino. Todavia, com o passar do tempo, o personagem
Arlecchino, tornou-se o primeiro Zanni, principalmente por sua evolução no
quesito do aspecto acrobático. O Grupo Teatral Moitará,16
confirma essa
teoria:
Entre os zanni, Arlecchino, proveniente de Bergamo, era a
máscara mais popular. Inicialmente segundo zanni,
transformou-se pouco a pouco em primeiro, encarnava uma
mistura de esperteza com ingenuidade, estando sempre no
centro das intrigas. (Grupo Teatral Moitará)
Figura 3 - Brighella, século XVI.
Fonte: Wikipedia (Inglês)
17
A partir de então o personagem Brighella – que era o primeiro Zanni –
passou a ser o segundo e o Arlecchino tornava-se o personagem preferido do
público.
16
Disponível em: <http://www.grupomoitara.com.br/d401_por.php> Acesso em: 2 Jul. de 2014.
17
Disponível em: <http://en.wikipedia.org/wiki/Brighella> Acesso em: 8 Jun. de 2014.
43
De acordo com esta perspectiva, podemos observar na evolução dos
tipos, uma rivalidade entre Arlecchino e o Brighella, por meio das gags, ou seja,
pela disputa de ambos nos jogos de cenas.
Seguindo esta linha de pensamento, identificamos a possível origem das
principais características do Brighella: trapaceiro, invejoso e agressivo.
Arlecchino e Brighella formam uma espécie de dupla de palhaços nas peças da
Commedia Dell’ Arte. Enquanto aquele utiliza sempre sua astúcia para matar
sua fome, ou ganhar outra vantagem, Brighella sente inveja de Arlecchino e
sempre comete uma trapaça com o mesmo, mas no final, Arlecchino sempre
sai vitorioso e Brighella irrita-se por ter seus planos frustrados.
Em relação ao seriado Chaves, ao analisar seus personagens,
identificamos o personagem Quico (interpretado pelo ator Carlos Villagrán),
com características semelhantes ao Brighella da Commedia Dell’ Arte.
Figura 4 - Quico
Fonte: Numaz News - Blogspot18
Quico é o garoto mimado do seriado. Quando ele está em perigo, sua
mãe Dona Florinda, sempre aparece para defender seu “tesouro”. Ele tem as
mesmas características do Brighella, citados acima. Por isso, seu principal
amigo e rival (ao mesmo tempo) é justamente aquele que faz referência ao
Arlecchino, ou seja, o Chaves.
18
Disponível em: <http://numaznews.blogspot.com.br/2012/08/um-verdadeiro-ufc-mexicano-
chaves-x.html> Acesso em: 21 Mai. de 2014.
44
Podemos comprovar estas argumentações, ao analisarmos algumas
cenas específicas e observarmos o personagem Quico fazendo inveja ao
Chaves, por ter muitos brinquedos e por ter uma mãe que lhe dá dinheiro a
todo momento para comprar doces. E principalmente quando Quico provoca
Chaves ao comer um sanduíche de presunto, outras vezes pirulitos ou
qualquer tipo de comida.
Entretanto, no decorrer da trama, Quico sempre acabava com seus
planos frustrados, porque os conflitos acabavam favorecendo ao Chaves, seja
pela sua astúcia ou inocência por tratar-se de uma criança. Assim como
destacado na relação de Arlecchino e Brighella, Chaves sai vitorioso na maioria
das trapaças de Quico.
Para destacar esta argumentação, analisei um fragmento de cena do
episódio Isto merece um Prêmio (1974)19
, onde Chaves e Quico aparecem
mostrando uma série de caricaturas ao Prof. Girafales, desenhadas por eles
mesmos. Porém, em um dos desenhos, está a caricatura do “Prof. Linguiça”
(apelido do Prof. Girafales, dado pelas crianças da vila). E o Prof. Girafales
demonstra irritação ao ver sua caricatura.
No decorrer do episódio, Quico confessa para Chaves que ele é o autor
da caricatura, mas tem medo de levar uma bronca do Prof. Girafales. Então
Quico consegue convencer Chaves a assumir a autoria da caricatura em troca
de um sanduíche de presunto. Quando o Prof. Girafales enquadra os dois,
Chaves mente ao dizer que ele mesmo tinha desenhado a caricatura.
O episódio tem 17 minutos e 46 segundos. O fragmento da cena é a
partir dos 15:53, até 17:17. Vejamos o diálogo a seguir:
Seu Madruga – E vocês sabem? Sabem quem está aí
também? O Prof. Girafales! E tá querendo descobrir quem
desenhou uma caricatura que ele trouxe aí.
Chaves e Quico – Nossa!
Seu Madruga – Vão se preparando!
19
Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=052IQC3WW_8> Acesso em: 21 Mai. de
2014.
45
Quico - Chaves, por que você não diz que fez a caricatura
dele?
Chaves – Porque foi você que fez!
Quico – Sim, eu sei. Mas se você disser que fez a caricatura...
Chaves – Eu não digo...
Quico – Eu te dou um sanduíche de presunto.
Chaves – Eu digo sim!
(Outra cena: O Prof. Girafales quer saber quem desenhou
a sua caricatura.)
Prof. Girafales – Bem, qual dos dois desenhou a minha
caricatura?
(Quico passa o sanduíche de presunto para as mãos do
Chaves.)
Prof. Girafales – Repito, qual dos dois desenhou a minha
caricatura?
Chaves – Eu.
Prof. Girafales – Então meus parabéns.
Chaves – Hã?
Prof. Girafales – Pois este é um trabalho onde se nota os dotes
de um verdadeiro artista... e... naturalmente isto merece um
prêmio.Você gosta de biscoitos?
Chaves (feliz) Sim!
Prof. Girafales – Pois este pacote é só pra você.
Chaves – Sim, sim, obrigado!
(Chaves fica feliz ao receber o pacote de biscoitos do Prof.
Girafales e Quico fica decepcionado. Ele empurra o Prof.
Girafales e vai chorar no canto da parede.)
Como acabamos de verificar, o final é surpreendente, o Prof. Girafales
parabeniza Chaves pelo “seu dom artístico” e o presenteia com uma caixa de
biscoitos. Entretanto, Quico fica triste e chora no canto da parede e confirma o
histórico de rivalidade, os jogos de cenas (gags) e a superação de Arlecchino,
sobre Brighella da Commedia Dell’ Arte.
Seguindo com nossa análise, houve um aspecto revolucionador na
interpretação dos atores da Commedia Dell’ Arte, que foi a inclusão da mulher
46
ao interpretar um personagem, porque até então, somente os homens
representavam, inclusive os papéis femininos VIEIRA (2005). A partir da
consolidação feminina na Commedia Dell’ Arte, uma das principais
personagens que se destacou foi a Colombina, muitas vezes responsável
pelos conflitos das representações.
Figura 5 - Colombina com trajes típicos do final do séc. XVII
Fonte: Wikipédia, a enciclopédia livre
20
Colombina fazia parte da classe dos Zanni – geralmente aparecia como
uma criada – e, muitas vezes, também era namorada do Arlecchino.
Normalmente era astuciosa, manipuladora e apaixonada. Ela costumava agir
ao lado de Arlecchino em suas trapaças e era a mais astuciosa da classe dos
Zanni, chegando a superar a astúcia do próprio Arlecchino e do Brighella.
Com isso, ela conseguia manipular as ações dos demais personagens,
inclusive de Arlecchino e Brighella, mas, assim como este último, tinha seus
planos descobertos no fim da peça, exceto quando ela fazia parceria com seu
amado Arlecchino.
Estas definições podem ser observadas ao analisar a caracterização da
personagem Chiquinha (interpretada pela atriz María Antonieta de las Nieves),
do seriado Chaves.
20
Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Colombina> Acesso em: 8 jun. de 2014.
47
Figura 6 - La Chilindrina (Chiquinha)
Fonte: Cultura Mix21
Chiquinha é filha do Seu Madruga e faz parte da classe baixa do
seriado. Também é a mais astuciosa entre as crianças. Essa qualidade faz com
que ela se aproveite de algumas situações, para ganhar vantagem em relação
aos demais. Ela é uma criança hiperativa e é a mais inteligente da vila. No
seriado, ela tem uma paixão ingênua por Chaves, que acaba inúmeras vezes
não sendo correspondida.
Destacando o uso de arquétipos que encontramos no seriado, a
Chiquinha representa o tipo de criança que faz pirraça por tudo. Isso é
comprovado em vários episódios, como por exemplo, quando ela pede dinheiro
para seu pai – Seu Madruga – para comprar doces e este nega. Então ela
começa a chorar exageradamente, destacando seu bordão principal: “Ué ué ué
ué ué”. Para não ter que continuar ouvindo os gritos de Chiquinha, Seu
Madruga acaba dando dinheiro e ela para de chorar imediatamente.
Para enfatizar a relação da personagem Chiquinha, em relação às
principais características da Colombina da Commedia Dell’ Arte, analisei um
fragmento do episódio Quem semeia moeda, colhe tempestade (1977)22
,
onde Chiquinha se aproveita de uma determinada situação: Chaves está na
vila com um vaso de terra e pretende plantar um pé de carambolas. Até que em
determinado momento, Chaves ganha uma moeda do Seu Madruga para
21
Disponível em: <http://www.culturamix.com/cultura/tv/chiquinha-do-chaves> Acesso em: 12
Jul. de 2014.
22
Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=7woEYaVAYAI> Acesso em: 12 Jul. de
2014.
48
comprar um algodão-doce e Chiquinha, aproveitando-se da ingenuidade de
Chaves, incentiva-o a enterrar sua moeda no vaso de terra fazendo-o acreditar
que irá nascer um pé de moedas. Quando Chaves sai para buscar um regador,
Chiquinha pega a moeda e então surge o Quico, que também é enganado por
ela, ao esconder sua moeda no vaso de terra e dizer a sua mãe Dona Florinda,
que foi roubado. É nesse momento que Chiquinha pega a moeda do Quico, vai
até a venda da esquina e retorna ao pátio da vila com dois algodões-doces.
O episódio tem 23 minutos e 19 segundos. O fragmento da cena é a
partir dos 21:23, até 22:40. Vejamos o texto seguinte:
(Quico chora no canto da parede)
Chiquinha: O que ouve Quiquinho?
Quico: Roubaram minha moeda!
Chiquinha: Isso, é isso que tem que dizer Quico!
Quico: Não! Eu estou dizendo que me roubaram de verdade.
Chiquinha: Que ator! Que atorzão você é Quico!
Quico: (Irritado) Eu não sou nenhum ator! Eu estou dizendo
que roubaram a minha moeda de verdade!
Chiquinha: É isso aí! Está ótimo! Assim é que se faz, assim é
que se faz...
(Chaves aparece com um regador e vai até o vaso de terra.
Quico desconfiado empurra o Chaves.)
Quico: Ah! Então foi você que roubou a minha moeda!
Chaves: Você tá querendo me roubar é?!
Quico: Você é que quer roubar a minha moeda!
Chaves: É você que quer roubar a minha moeda.
(Enquanto Chaves e Quico brigam, Chiquinha se diverte rindo
dos dois)
Quico: Chaves, faltam duas moedas e a Chiquinha tem dois
algodões!
Chaves: Isso, isso, isso...
(Em outra cena, Quico molha a Chiquinha com o regador e
Chaves joga a terra no vaso)
Quico: Agora temos que molhar bem, mas muito bem.
Chaves: Sim, pra nascer uma árvore de Chiquinhas.
(Chiquinha chora)
49
Na cena seguinte, Chiquinha aparece dentro do vaso de terra, sendo
molhada com o regador que Quico segura e Chaves joga a terra no vaso.
Assim como a personagem Colombina, Chiquinha tem seus planos
descobertos no fim da trama.
Seguindo com a análise, iremos agora falar do Pantalone:
Figura 7 - Pantalone, 1550, por Mauricie Sand
Fonte: Wikipedia (Inglês)23
Pantalone é um dos principais Vecchi da Commedia Dell’ Arte.
Caracteriza-se principalmente por ser um velho ranzinza, impaciente e
avarento. Geralmente, aparecia nas representações, como rival do Dottore,
outro Vecchio de classe social elevada.
Analisando os tipos da Commedia Dell’ Arte, o personagem Pantalone
era o principal alvo das artimanhas dos Zanni (Arlecchino, Brighella e
Colombina). Pantalone tinha uma personalidade muito forte. Entretanto,
sempre tentava recomeçar seu cotidiano tranquilamente, mas os conflitos que
passava só o deixava cada vez mais irritado, principalmente quando alguém
tentava tirar seu dinheiro.
23
Disponível em: <http://en.wikipedia.org/wiki/Pantalone> Acesso em: 21 Mai. de 2014.
50
No Programa Chaves, os principais aspectos de Pantalone podem ser
identificados ao analisar as características do personagem Seu Madruga
(interpretado pelo ator Ramón Valdéz).
Seu Madruga é pai de Chiquinha e tem uma personalidade forte. Ele
desconta sua ira em pessoas inocentes. Essa característica é destacada
quando ele desconta sua raiva ao dar um cascudo no Chaves e beliscar o
Quico. Também é enfatizada diversas vezes quando ele é vítima das tapas de
Dona Florinda – na maioria das vezes de forma injusta – ou quando é irritado
pelas travessuras das crianças.
Figura 8 - Don Ramon (Seu Madruga)
Fonte: Chaves Web24
Seguindo esta análise do personagem Seu Madruga, observamos uma
diferença no status social, em relação ao Pantalone, pois este é rico, avarento
e compõe a classe social mais elevada. Seu Madruga, por sua vez, faz parte
da classe baixa e, mesmo assim, é avarento no pouco que tem.
De acordo com esta perspectiva, observamos esta diferença, devido a
proposta dramatúrgica de Chespirito, ao colocar o personagem Seu Madruga
em um status social baixo e ainda assim ser avarento. O autor enfatiza a
avareza do Seu Madruga como uma questão de caráter e não de classe social.
Isto pode ser observado no nosso próprio cotidiano, ou seja, Chespirito
destaca novamente a mimese como elemento satisfatório do seriado, na
identificação do espectador.
24
Disponível em: <http://www.chavesweb.com/seu-madruga.php> Acesso em: 21 Mai. de 2014.
51
A partir da percepção da cristalização da avareza e da ira, que compõem
as características de Pantalone, é possível observar também, a presença de
outro tipo popular nas ações do Seu Madruga, trata-se do Scaramuccia da
Commedia Dell’ Arte.
Figura 9 - Scaramuccia em 1860 - SAND Maurice. Masques et bouffons (Comedie
Italienne)
Fonte: Wikipedia (Inglês)25
Este personagem caracterizava-se por ser um contador de mentiras,
malandro e aproveitador. É considerado uma evolução do personagem
Capitão, em outras palavras, do soldado fanfarrão. Scaramuccia constituía o
grupo dos Zanni, utilizando um figurino com roupa preta e responsável por
fazer diversas caretas. Destacou-se com o passar do tempo, por ter sido
desenvolvido pelo ator italiano Tiberio Fiorilli.
Após analisar as principais características de Scaramuccia e de
Pantalone, encontrei evidências que destacam a semelhança de ambos, com
as características do personagem Seu Madruga.
Em relação ao Scaramuccia, podemos observar nos episódios do
seriado Chaves, que o Seu Madruga aproveita-se de seu status social, para
não pagar o aluguel do Seu Barriga (interpretado pelo ator Édgar Vivar), que é
25
Disponível em: < http://en.wikipedia.org/wiki/Scaramouche> Acesso em: 21 Mai. de 2014.
52
o dono da vila. Seu Madruga aproveita-se, principalmente, por saber que,
apesar de o Seu Barriga ser um homem rígido e de classe média, no fundo é
generoso e muitas vezes demonstra solidariedade com o próximo. Porém, Seu
Madruga também demonstra, diversas vezes, ser um personagem de atitudes
nobres, ao ajudar o Chaves, dando-lhe de comer.
Todavia, ao passar do limite diversas vezes, Seu Madruga acaba caindo
nas próprias armações, principalmente quando ele necessita da ajuda das
crianças – especificamente o personagem Chaves – para avisá-lo o momento
certo que o Seu Barriga chegasse à vila, assim como o Pantalone necessita da
ajuda do seu criado Arlecchino e os demais Zanni, para resolver seus
negócios. Em outras palavras, o Arlecchino atua como um “porta voz” do
Pantalone. Essa característica pode ser vista nas peças de Moliére e Ariano
Suassuna, por exemplo.
Ao analisar o episódio O disco voador (1977)26
, observamos uma cena
onde o Seu Madruga esconde-se no interior do quarto de sua casa, para não
pagar o aluguel. Ele combina com Chaves para gritar a seguinte frase “Já
chegou o disco voador”, quando o Seu Barriga chegasse à vila, porém Quico –
que acabara de perder seu disco voador de brinquedo, pelo fato de Chaves ter
jogado o brinquedo na rua – acaba interferindo no plano do Seu Madruga sem
perceber e este acaba sendo descoberto pelo Seu Barriga.
O episódio tem 21 minutos e 46 segundos. O fragmento da cena é a
partir dos 17:10, até 18:20. Vejamos o diálogo a seguir:
Quico: Mamãe! Já se foi o disco voador!
(Seu Madruga sai do quarto e agradece ao Quico pela janela.)
Seu Madruga: Obrigado, Quico, obrigado. (Tom) Onde será
que foi parar este bendito transistor?!
Quico: Chaves, por que o Seu Madruga me agradeceu?
Chaves: Sabe o quê que é? É que ele pensa que...
(Nesse momento, o Seu Barriga vem descendo as escadas da
casa nº 23)
Chaves: Nossa!
26
Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=ZB9SrHB_o34> Acesso em: 21 Mai. de
2014.
53
(Chaves corre até a janela da casa do Seu Madruga)
Chaves: Já chegou o disco voador!
(Seu Madruga corre e se esconde no quarto)
Quico: Onde está? Onde está o meu disco voador?
Chaves: Não seja burro. Estou falando do Seu Barriga.
Seu Barriga: O quê?!
Quico: E eu tô falando do meu brinquedo! Mamãe, já se foi o
disco voador!
(Seu Madruga sai do quarto e entra de novo quando Chaves
grita)
Chaves: Ao contrário! Já chegou o disco voador!
Quico: É nada! Já se foi o disco voador!
Chaves: Não! Já chegou!
Quico: Já se foi o disco voador!
Chaves: Não!
Quico: Já se foi!
Chaves: Já chegou!
(Seu Madruga se irrita e vai até a janela reclamar com Chaves
e Quico, mas dá de cara com Seu Barriga.)
Seu Madruga: Já chega! Estão brincando ou estão tentando...
(dirigindo-se ao Seu Barriga) Digo... o Senhor conseguiu ver o
disco voador?... Digo, não?
Se observarmos com atenção esta cena, podemos constatar que o
personagem Seu Madruga, é logrado pelas crianças irritando-se facilmente e
acaba tendo seus planos frustrados. Desse modo, é importante destacar a
liberdade de expressão artística, no momento que Chespirito cria um
personagem com dois tipos característicos da Commedia Dell’ Arte: Pantalone
e Scaramuccia.
Na Commedia Dell’ Arte os tipos eram fixos para cada ator que os
interpretasse. Contudo, com o passar do tempo, os dramaturgos – ao
resgatarem os tipos da Commedia – adaptaram de acordo com as novas
possibilidades de expressão. Estas adaptações e inovações são identificadas
como a “poética” de cada artista. Assim, como Shakespeare, Moliére, Ariano
Suassuna, Goldoni, entre outros, Chespirito também criou sua poética, a partir
do contraste das classes sociais de seu país.
54
No episódio Como treinar um novo campeão (1977)27
, há um
fragmento na cena onde o personagem do Seu madruga ensina Chaves a lutar
boxe. Logo após, Chaves vai correndo para ensinar o personagem Quico a
lutar, mas acaba literalmente nocauteando o “menino bochechudo”. Após
presenciar tal situação, o Prof. Girafales, ao lado de Dona Florinda, vai tirar
satisfação com o Seu Madruga, por este ter ensinado um esporte agressivo
para uma criança.
Figura 10 - O Professor Girafales
Fonte: Chaves Web28
O texto seguinte foi retirado do episódio citado anteriormente. O episódio
tem 24 minutos e 05 segundos. O fragmento da cena é a partir dos 17:57, até
18:36. Essa cena representa uma contradição na forma do personagem criticar
uma ação que ele próprio acaba cometendo. Vejamos o texto a seguir:
Prof. Girafales – Quem bate nos outros, se chama selvagem ou
besta!
Seu Madruga (dirigindo-se à Dona Florinda) - É com a senhora.
Dona Florinda – Mas eu não bato por esporte.
Seu Madruga – Não?! É uma profissional.
Prof. Girafales – Ora já basta! E você Chaves tire essas luvas.
Chaves – Ora, mas não se irrite.
Prof. Girafales – E o Senhor Seu Madruga, vou avisá-lo de uma
coisa. Eu sou inimigo fidagal da violência e da luta. Mas se eu
voltar a ver o pobre do Chaves usando essas luvas, eu, ouça:
Vou partir tudo que se chama cara!
27
Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=zITH9PX2aio> Acesso em: 7 jul. de
2014.
28
Disponível em: <http://www.chavesweb.com/professor-girafales.php> Acesso em: 8 Jun. de
2014.
55
De acordo com a análise do personagem Prof. Girafales, esse tipo de
contradição é uma das principais características do tipo Dottore da Commedia
Dell’ Arte, por este ser ambíguo em todas as suas frases.
Figura 11 - Dottore de face corada
Fonte: Wikipédia, a enciclopédia livre
29
Dottore caracteriza-se principalmente por querer assumir sua
superioridade e intelectualidade perante os demais personagens. Na
Commedia Dell’ Arte, seu tipo físico costumava ser grande e fazia contraste
com Pantalone, seu principal rival.
Seguindo as principais características de Dottore, podemos observar
semelhanças com o texto da citação do personagem Prof. Girafales, do seriado
Chaves, como por exemplo: ser o maior em estatura do seriado, demonstrar
intelectualidade, ser ambíguo e contraditório em seus diálogos. Entretanto, se
analisarmos esse tipo de personagem no cotidiano da sociedade,
identificaremos como um homem hipócrita, que julga os semelhantes, mas não
consegue julgar a si próprio.
A Commedia Dell’ Arte também era constituída por personagens que
não utilizavam máscaras. Eles eram apaixonados e eram responsáveis pela
29
Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Dottore> Acesso em: 8 jun. de 2014.
56
dramatização cênica das cenas, eram os Enamorados. Esta classe de
personagens era formada por um casal. Geralmente, eram filhos dos Vecchi:
Pantalone e Dottore, respectivamente. O romance, o amor, a paixão, a sutileza
eram as principais características dos enamorados. O comportamento sutil
destes personagens remetem as representações do teatro erudito.
Figura 12 - Os Enamorados
Fonte: Escola de Teatro Catarse
30
Algumas das funções do teatro erudito (início do século XV) eram de
contrapor temas religiosos, em motivo do reflexo da dominação cristã no
ocidente. Caracterizava-se por resgatar modelos greco-romanos, durante o
renascimento na Itália. Destacou-se pela sua linguagem acadêmica e pela
veneração dos humanistas.
A partir desta perspectiva, observamos na maioria dos episódios do
seriado Chaves, que Chespirito utiliza uma dramatização romântica nas cenas
do Prof. Girafales e da Dona Florinda. Os dois parodiam a interpretação
dramática do teatro erudito, fato que também acontecia na Commedia Dell’
Arte, que surgiu em contraponto a este tipo de teatro dito tradicional, erudito,
que utilizava um tom “empostado”.
Observou-se então, a interferência proposital nos diálogos e ações do
Prof. Girafales e Dona Florinda.
30
Disponível em: < http://escoladeteatrocatarse.wordpress.com/2008/01/15/os-personagens-
da-commedia-dellarte/> Acesso em: 10 Jul. de 2014.
57
Figura 13 - Prof. Girafales e Dona Florinda
Fonte: Chespirito 70 - Blogspot31
Ambos tinham um texto que era repetido na maioria dos episódios, por
tratar-se de um lazzi do seriado:
Prof. Girafales - Dona Florinda!
Dona Florinda - Prof. Girafales! Que milagre o Senhor por aqui.
Prof. Girafales - Vim lhe trazer este humilde presente.
Dona Florinda - Obrigada. Não gostaria de entrar e tomar uma
xícara de café?
Prof. Girafales - Não seria incômodo?
Dona Florinda - Mas é claro que não. Entre.
Prof. Girafales - Depois da Senhora.
Analisamos o episódio intitulado Bilhetes Trocados (1977)32
. O
personagem Quico – filho de Dona Florinda – é o responsável por ridicularizar
a “postura e o diálogo formal” do casal, neste episódio.
O episódio tem 23 minutos e 17 segundos. O fragmento da cena é a
partir dos 10:00, até 11:07. Veremos abaixo, o mesmo diálogo dos
personagens identificados acima, mas com uma interferência no texto
tradicional:
31
Disponível em: <http://chespirito70.blogspot.com.br/2011/01/ep-xxxiii-do-blog-somos-
cafonas-sim-o.html> Acesso em: 1 Jul. de 2014.
32
Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=E0XcI9e2fgw> Acesso em: 1 Jul. de
2014.
58
(Fundo Musical de O Vento Levou)
Dona Florinda – Prof. Girafales!
Prof. Girafales – Dona Florinda!
Dona Florinda – Que milagre o Senhor por aqui!
Prof. Girafales – Vim lhe trazer esse humilde presentinho.
Quico – Outra vez flores?
Dona Florinda – Tesouro!
Quico – Ah mamãe, mas o Professor parece que não sabe
comprar outra coisa. Sempre flores, flores, flores!
Dona Florinda – Mas acontece que...
Quico – Ah, mas porque num dia ele não traz chocolates...
outro caramelos ... outro dia um relógio de ouro... outro dia um
casaco de pele... outro dia um carro em último tipo... enfim!
Dona Florinda (envergonhada) Não ligue pra ele, Prof.
Girafales, é que o Quico adora fazer piadas.
Prof. Girafales – É... eu já percebi.
Dona Florinda – Mas não gostaria de entrar e tomar uma xícara
de café?
Quico – Outra vez café?!
Dona Florinda – Tesouro!
Quico – É por isso que ele sempre te traz só flores.
Analisando com atenção o texto da cena do Prof. Girafales e Dona
Florinda, podemos constatar evidências que destacam a paródia dos
personagens e proximidade com os enamorados, pela “tentativa de
comportamento formal” dos personagens. Chespirito utiliza sutilmente uma
quebra na linguagem do Prof. Girafales e Dona Florinda, na maioria dos
episódios, permitindo assim que todos os demais personagens interfiram no
diálogo do casal.
Finalizo este último capítulo reafirmando a convicção de que a
Commedia Dell’ Arte pode estar presente em distintas expressões artísticas,
até mesmo em um “produto” da nossa sociedade contemporânea, um
programa de televisão. Mas, ao mesmo tempo, defendo as qualidades do
Programa Chaves que traz em sua essência a Commedia Dell’ Arte, com a
59
imitação de tipos que encontramos na vida e uma crítica social que aparece na
diferença de classes. E isto, tudo através da ingenuidade de personagens,
sejam adultos ou crianças.
60
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A possibilidade de aproximação entre Chaves e a Commedia Dell’ Arte,
surgiu a partir de pesquisas bibliográficas. Contudo, o desafio seguinte seria
exatamente convencer um orientador a aceitar minha pesquisa, porque a crítica
radical em relação às produções televisivas não partia somente dos jornalistas
e teóricos, mas também da Academia Científica.
Tendo obtido a orientação acadêmica para minha pesquisa, o desafio
seguinte foi de encontrar referenciais satisfatórios, na proximidade do seriado
Chaves, com a Commedia Dell’ Arte. A princípio, percebi somente as relações
entre ambos, nas características e ações dos personagens. Todavia, à medida
que fui lendo os referenciais bibliográficos, encontrei mais proximidades que
evidenciavam tal suposição como veremos adiante.
No primeiro capítulo pude notar que a Comedia Dell’ Arte, apesar de ter
surgido em meados do século XV, mantém-se presente na
contemporaneidade, influenciando, através de seus elementos constitutivos,
diversas produções artísticas. Tal fato é possível por tratar de temas que são
atuais em sua estrutura, como o conflito de classes e os tipos humanos
inspirados no cotidiano.
No segundo capítulo, onde abordei a Indústria cultural e sua relação com
a sociedade, foi possível constatar que apesar da grande influência que a
mesma possa exercer sobre o contexto social, não podemos rotular de forma
negativa todos os produtos advindos dessa indústria, sob pena de cairmos em
generalizações preconceituosas.
Desta forma, escolhi como objeto de estudo o seriado Chaves, por se
tratar de um seriado televisivo considerado por alguns críticos como produto do
mercado de massa da Indústria Cultural. Tal escolha aconteceu com o intuito
de verificar o conteúdo transmitido pelo mesmo e sua provável relação com a
Commedia Dell’ arte.
61
No terceiro capítulo, foi possível relacionar alguns tipos humanos da
Comedia Dell’ Arte, com os principais personagens do seriado Chaves, assim
também como ressaltar os aspectos sociais retratados em sua dramaturgia.
Sendo assim, de acordo com minha análise, obtive elementos
interpretativos satisfatórios na coleta de dados, que evidenciaram a
proximidade artística entre ambos. Desse modo, tal pesquisa se mostrou
relevante por comprovar que, apesar das críticas direcionadas ao seu conteúdo
intelectual e cultural, o seriado Chaves demonstra em sua estrutura cênica,
elementos de crítica social através de um humor suave e ingênuo que atinge o
público por meio da identificação com as situações e com os personagens.
Assim, concluo que a Commedia Dell’ Arte influenciou a dramaturgia do
seriado Chaves, ao legar nesta, a relação da observação da natureza do
homem e a imitação do cotidiano da sociedade (mimese), enfatizando sempre
os conflitos entre as classes (crítica social) e despertando a identificação do
público com muitas características dos personagens e as situações vivenciadas
por eles.
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A Influência da Commedia Dell' Arte na Dramaturgia do Seriado Chaves de Roberto Gómez Bolaños

  • 1. UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE COMUNICAÇÃO, TURISMO E ARTES DEPARTAMENTO DE ARTES CÊNICAS Edmilson dos Santos de Almeida A Influência da Commedia Dell’Arte na Dramaturgia do seriado Chaves de Roberto Gómez Bolaños João Pessoa – PB 2014
  • 2. Edmilson dos Santos de Almeida A Influência da Commedia Dell’ Arte na Dramaturgia do seriado Chaves de Roberto Gómez Bolaños Monografia apresentada na Disciplina de Trabalho de Conclusão de Curso como Requisito básico para a obtenção do Título de Conclusão do Curso de Bacharelado em Teatro. Orientadora: Lúcia Serpa João Pessoa – PB 2014
  • 3. Catalogação da Publicação na Fonte. Universidade Federal da Paraíba. Biblioteca Setorial do Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes (CCHLA). Almeida, Edmilson dos Santos de. A Influência da Commedia Dell’ Arte na Dramaturgia do seriado Chaves de Roberto Gómez Bolaños / Edmilson dos Santos de Almeida. - João Pessoa, 2014. 63f. : il. Monografia (Graduação em Teatro) – Universidade Federal da Paraíba - Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes. Orientadora: Profª. Ms. Lúcia Gomes Serpa. 1. Commedia Dell Arte. 2. Crítica social. 3. Mimese. 4.Chaves. I. Título. BSE-CCHLA CDU 792
  • 4. Edmilson dos Santos de Almeida A Influência da Commedia Dell’ Arte na Dramaturgia do seriado Chaves de Roberto Gómez Bolaños Trabalho de Conclusão de Curso aprovado para obtenção do grau de Bacharelado em Teatro, pela Banca Examinadora formada por: Orientadora: Ms. Lúcia Gomes Serpa Profº Ms. Elias de Lima Lopes Profº Ms. José Everaldo de Oliveira Vasconcelos João Pessoa – PB 2014
  • 5. DEDICATÓRIA Dedico a todos os profissionais da Comédia Popular, atores e pesquisadores que elevam seus cosmos ao infinito com o objetivo de resgatar a essência da Commedia Dell’ Arte e seus personagens tipificados na sociedade. E claro, dedico com muito carinho a todos os fãs e admiradores do seriado Chaves e a seu criador Roberto Gómez Bolaños.
  • 6. AGRADECIMENTOS Quero agradecer primeiramente ao senhor Jesus por ter me dado o sopro da vida e por ter a oportunidade de concluir esse trabalho de pesquisa, na área que amo e mais me identifico. Agradeço especialmente, aos meus pais pelo amor, educação e também paciência, em relação a minha carreira artística. Minha namorada que me ajudou bastante, sem a qual não poderia obter o mesmo êxito deste trabalho. E claro, quero agradecer a instituição Universidade Federal da Paraíba (UFPB), minha orientadora pela confiança e todos aqueles que contribuíram de alguma forma, com o desenvolvimento deste trabalho monográfico.
  • 7. RESUMO A seguinte pesquisa apresenta a Commedia Dell’ Arte e seus principais elementos que influenciaram produções artísticas da modernidade. Para tal, investiga sua origem evidenciando possíveis contribuições no âmbito da comédia popular televisiva, tendo como objetivo principal destacar sua provável influência na dramaturgia do seriado televisivo El Chavo del Ocho (Chaves no Brasil), criado pelo mexicano Roberto Gómez Bolaños (Chespirito). Sendo assim, a pesquisa apoia-se de forma qualitativa em documentos bibliográficos e vídeos do seriado televisivo em questão. No percurso dessa pesquisa, é analisado primeiramente a mimese e a crítica social, presentes na Commedia Dell’ Arte. Em seguida, a apresentação do autor Roberto Gómez Bolaños e a dramaturgia do seriado Chaves. Partindo dessa investigação, é chegado o momento da relação das principais características dos personagens do seriado Chaves, com os tipos/personagens da Commedia Dell’ Arte, através da análise de cenas de episódios do seriado mexicano. Palavras-chave: Commedia Dell’ Arte, Chaves, Chespirito, mimese, crítica social. RESUMEN La siguiente investigación presenta la Commedia Dell’ Arte y sus principales elementos que influenciaron producciones artísticas de la modernidad. Para tal, investiga su origen evidenciando posibles contribuciones en el ámbito de la comedia popular televisiva, teniendo como objetivo principal destacar su probable influencia en la dramaturgia de la serie televisiva El Chavo del Ocho (Chaves en Brasil), creado por el mexicano Roberto Gómez Bolaños (Chespirito). Siendo así, el estudio se apoya de forma cualitativa en documentos bibliográficos y vídeos de la serie televisiva en cuestión. En el recorrido de esta investigación, son analizadas primeramente la mimese y la crítica social, presentes en la Commedia Dell’ Arte. En seguida, la presentación del autor Roberto Gómez Bolaños y la dramaturgia del seriado Chaves. Partiendo de esa investigación, se llega al momento de la relación de las principales características de los personajes de la serie Chaves, con los tipos/personajes de la Commedia Dell’ Arte, a través del análisis de escenas de episodios de la serie mexicana. Palabras llave: Commedia Dell’ Arte, Chaves, Chespirito, mimese, crítica social.
  • 8. SUMÁRIO INTRODUÇÃO ....................................................................................................................... 10 Capítulo 1: A essência da Commedia Dell`Arte ..................................................... 12 1.1 A Função da Mimese na Comédia Popular........................................................ 12 1.2 Crítica à Aristocracia ................................................................................................. 14 1.3 O Surgimento da Commedia Dell’ Arte ............................................................... 17 Capítulo 2: Chaves e a Comédia Popular Televisiva ........................................... 21 2.1 A Indústria Cultural e a Influência da Mídia Televisiva no comportamento da sociedade....................................................................................................................... 21 2.2 Chespirito - O pequeno Shakespeare.................................................................. 23 2.3 A Dramaturgia do seriado Chaves........................................................................ 27 Capítulo 3: A Commedia Dell’Arte e o seriado Chaves – Relações que atravessam o tempo........................................................................................................... 31 3.1 O Estudo da Natureza do Homem........................................................................ 31 3.2 Quadros comparativos entre as duas Expressões Artísticas: A Commedia Dell`Arte e o seriado Chaves......................................................................................... 33 3.2.1 A crítica das classes sociais ................................................................................. 33 3.2.2 Composição de Lazzi na dramaturgia do seriado Chaves .............................. 35 3.2.3 Comparação das características dos personagens/tipos ................................ 38 CONSIDERAÇÕES FINAIS........................................................................................... 60 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS........................................................................... 62
  • 9. LISTA DE FIGURAS Figura 1 - Arlecchino anno 1671 - SAND Maurice. Masques et bouffons (Comedie Italienne).......................................................................................... 39 Figura 2 – Chespirito, no papel de “El Chavo” (Chaves) .................................. 39 Figura 3 - Brighella, século XVI........................................................................ 42 Figura 4 - Quico................................................................................................ 43 Figura 5 - Colombina com trajes típicos do final do séc. XVII .......................... 46 Figura 6 - La Chilindrina (Chiquinha)................................................................ 47 Figura 7 - Pantalone, 1550, por Mauricie Sand................................................ 49 Figura 8 - Don Ramon (Seu Madruga)............................................................. 50 Figura 9 - Scaramuccia em 1860 - SAND Maurice. Masques et bouffons (Comedie Italienne).......................................................................................... 51 Figura 10 - O Professor Girafales..................................................................... 54 Figura 11 - Dottore de face corada................................................................... 55 Figura 12 - Os Enamorados ............................................................................. 56 Figura 13 - Prof. Girafales e Dona Florinda...................................................... 57
  • 10. 10 INTRODUÇÃO A partir do estudo de elementos da Commedia Dell’ Arte e do seriado televisivo El Chavo Del Ocho (Traduzido para o Brasil como Chaves), criado pelo dramaturgo mexicano Roberto Gómez Bolaños, foi possível notar similitudes entre ambos. Desde então, surgiu o questionamento sobre a possível relação dessa expressão artística com o seriado em questão. O passo seguinte foi, assim, analisar o seriado Chaves a partir desta nova perspectiva. Segundo os estudos do Grupo Teatral Moitará, podemos destacar vários atores, diretores e dramaturgos que adotaram em suas obras, elementos presentes nessa comédia popular, como exemplo temos Shakespeare, Moliére, Carlo Goldoni, Jacques Lecoq, Meyerhold, Dario Fo, Marcelo Moretti, Ariano Suassuna, entre outros. A escolha do seriado Chaves ocorreu devido ao fato de acompanhar os episódios desde a minha infância, tendo-o como um referencial no gênero da Comédia. São mais de três décadas de exibições ininterruptas nos países latino-americanos, sempre com muito sucesso de audiência, principalmente no Brasil. Em nosso país, o seriado é exibido pelo Sistema Brasileiro de Televisão (Sbt), desde 1984. Desta forma, novas gerações vão acompanhando as peripécias dos personagens do seriado Chaves. Por outro lado, tal seriado é bastante criticado por muitos, que o consideram como um “mero” programa infantil e um “produto do mercado de massa.” Fato este que despertou grande interesse, pois nesse contexto, essa pesquisa busca demonstrar a qualidade de um programa considerado de baixo teor artístico e intelectual por pertencer a esse mercado. Sendo assim, esta pesquisa de caráter qualitativo tem por objetivo identificar as possíveis influências da Comedia Dell’ Arte sobre o seriado Chaves. Para tal, faz uso de quadros comparativos em relação às duas expressões artísticas, destacando a crítica das classes sociais, os métodos de utilização dos lazzi nas cenas e a comparação das características dos
  • 11. 11 personagens. Sendo assim, esta pesquisa encontra-se dividida em três capítulos: O primeiro capítulo intitulado “A essência da Commedia Dell’ Arte”, destaca a arte da mimese, defendida por Aristóteles, e a ridicularização dos aristocratas em apresentações na Grécia Antiga afim de expor elementos que auxiliaram o surgimento da Commedia Dell’ Arte. O segundo capítulo denominado “Chaves e a Comédia Popular Televisiva” é voltado para a influência das produções do mercado de massa, perante a sociedade. Ainda neste capítulo, destacamos o autor de Chaves, pelo seu nome artístico: Chespirito, como escritor, ator, diretor e sua relação com o teatro na adolescência. Então, adentramos em seu maior sucesso, o seriado Chaves. O terceiro capítulo chamado “A Commedia Dell’ Arte e o seriado Chaves: Relações que atravessam o tempo” analisa alguns elementos que compõem a Commedia Dell’ Arte e o seriado Chaves. São utilizados alguns quadros comparativos e a análise de fragmentos de alguns episódios do seriado, que são essenciais para relacionar as duas expressões artísticas. Sabemos que se trata de uma aproximação, de uma forma de comparação entre duas obras de veículos e épocas distintas. Muitas outras análises podem ser possíveis. Mas foi interessante observar que a essência da Commedia Dell’ Arte pode estar presente em outras formas de manifestação artística.
  • 12. 12 Capítulo 1: A essência da Commedia Dell’ Arte No presente capítulo busco explorar a origem da Commedia Dell’ Arte e destacar elementos que foram disseminados em épocas posteriores e, também, em outros gêneros artísticos. Encontro, primeiramente, a contribuição da arte mimética no âmbito da comédia popular, seguindo pelos conflitos históricos entre a nobreza e o proletariado, que desencadeou na crítica da aristocracia, tão bem expressada através da Commedia Dell’ Arte e que influencia distintas gerações com culturas tão diversas. Inicio então, este percurso, buscando as raízes da Commedia Dell’ Arte. 1.1 A Função da Mimese na Comédia Popular A imitação é um elemento bastante utilizado no âmbito da comédia popular, que a utiliza para satirizar ou parodiar o próprio homem ou a natureza. Seguindo esta linha de pensamento, destaco o filósofo grego Aristóteles, por este ter enfatizado em sua poética (século IV a.C), a importância de diferentes tipos de efeitos da imitação e por ter contribuído para o conhecimento de elementos da arte teatral. Segundo a Arte Poética de Aristóteles: A imitação se aplica aos atos das personagens, colocando que estas não podem ser senão boas ou ruins (pois os caracteres dispõem-se quase nestas duas categorias apenas, diferindo só pela prática do vício ou da virtude), daí resulta que as personagens são representadas melhores, piores ou iguais a todos nós. (ARISTÓTELES, 2004, p.2) Todavia, cada gênero artístico irá conter uma diferença no modo de imitação em suas respectivas obras. É a partir disso, que Aristóteles enfatiza os objetivos e diferenças entre a Tragédia e a Comédia: “É também essa diferença o que distingue a tragédia da comédia: uma se propõe imitar os homens, representando-os piores; a outra os torna melhores do que são na realidade”. (ARISTÓTELES, 2004, p.3)
  • 13. 13 A imitação para Aristóteles é uma tendência instintiva do homem desde a infância e é esta aptidão que o distingue de outros seres vivos. Ele ainda afirma que é através da imitação que adquirimos nossos primeiros conhecimentos, “e nela todos experimentamos prazer”. (ARISTÓTELES, 2004, p.4) Se observarmos com atenção, a imitação está presente no nosso cotidiano até mesmo em ações rotineiras. A última citação refere-se às ações do cotidiano, que estão enraizadas no homem desde sua infância e que acontecem através da imitação. A criança imita os pais, os irmãos mais velhos, o mundo ao seu redor. Em relação ao gênero da comédia popular propriamente dita, ela irá representar a imitação de maus costumes, ou seja, seu objetivo é expor o ridículo do homem e do próprio sistema em que ele vive. É a partir da ridicularização que o gênero da comédia carrega a tendência da crítica. Ao atentarmos para a evolução do gênero da comédia – nas diferentes épocas e classes – veremos na maioria das vezes, o poder, ou seja, a “aristocracia” (a nobreza, os ricos) sendo criticada, por meio de sua exposição ao ridículo. A Commedia Dell’ Arte tem como essência justamente a imitação da natureza do homem e do mundo. Todavia, a peculiaridade da Commedia Dell’ Arte é a de não seguir um modelo de representação Aristotélica1 , ou seja, ela rompe com a linearidade contida na Poética Aristotélica. Isso permitiu que os atores da Commedia Dell’ Arte tivessem liberdade na construção dramatúrgica de seus personagens, ao fazerem paródias e críticas sociais, a partir da observação do comportamento da sociedade. Portanto, observaremos a presença da imitação que Aristóteles enfatiza em sua poética na busca das principais contribuições da Commedia Dell’ Arte para a comédia popular televisiva, tendo como objeto, o seriado Chaves. 1 Segundo o modelo Aristotélico, a peça teatral era dividida de acordo com a cronologia dos fatos: Prólogo (Início), Episódio (Meio) e Êxodo (Fim). (ARISTÓTELES, 1997).
  • 14. 14 1.2 Crítica à Aristocracia Esta pesquisa não tem o objetivo de enfatizar e analisar todos os aspectos que envolvem um conflito histórico entre o sistema aristocrático e o democrático. O intuito central do presente tópico é de identificar os primeiros indícios que destacaram os conflitos entre as classes sociais e a relação da crítica à Aristocracia com a Commedia Dell’ Arte. Aristocracia é uma palavra que vem do grego e que, literalmente, significa "poder dos melhores". É uma forma de governo na qual o poder político é dominado por um grupo da classe “dominante”. A palavra Democracia também tem origem no grego e significa “poder do povo” e se estabelece como um sistema em busca de direitos iguais na sociedade. Ela abrange as condições sociais, econômicas e culturais que permitem o exercício livre e igual da determinação política. Foi exatamente esta divisão que gerou conflitos intelectuais e políticos na Grécia Antiga. Aristófanes, teatrólogo cômico grego, defendia o Partido Aristocrático, em oposição aos democratas, que defendiam os valores do povo e era oposto a qualquer doutrina filosófica que surgisse. Aristófanes, apesar de ter sido radicalmente conservador, filho de um intelectual da Aristocracia e de ter apoiado o Partido Aristocrático, destacou-se por fazer sátiras sociais em seus textos teatrais e não poupava nenhuma classe social, instituição e até mesmo os próprios deuses. Com o passar do tempo, a Grécia foi dominada pela religião do Estado de Roma, que havia tomado posse da hierarquia dos deuses gregos, inclusive do Teatro. A partir de então Roma instaurou o Teatro da Res Publica2 , que era fundamentado na política do Estado. Desse modo é importante observar a presença do sistema aristocrata no desenvolvimento do Teatro de Roma, pelo favorecimento da política do estado. Em outras palavras, a sociedade romana era oprimida e menos favorecida, diante da política do Estado de Roma. BERTHOLD (2000) enfatiza sobre os 2 Res publica é uma expressão latina que significa literalmente "coisa do povo", "coisa pública". É a origem da palavra república.
  • 15. 15 principais motivos que levaram os romanos a conquistarem a hierarquia de outros povos e a função do teatro na política do Estado: Desde o mais remoto início, a habilidade política de Roma se expressou no oferecimento, aos povos conquistados, da oportunidade de promover seus talentos e manter boas relações com seus próprios deuses. Os romanos anexaram a propriedade espiritual, tanto quanto a terrena, daqueles que conquistaram, juntamente com o direito de exibi-la em público, para o prazer de todos e para maior glória da res publica. Dessa forma, o teatro romano também era um instrumento de poder do Estado, dirigido pelas autoridades. (BERTHOLD, 2000, p. 140) Portanto as representações teatrais eram utilizadas a favor das autoridades políticas e a democracia vivia a mercê delas. Principalmente porque Roma havia tomado posse da essência do teatro grego, mas o intuito principal era a alegria do Estado e não da sociedade em si. Contudo é importante destacar que, até então, a interpretação ainda não era um dos principais elementos do teatro, e sim a representação. Como por exemplo, na Grécia, o desenvolvimento das tragédias e comédias, era direcionado às festividades das Dionisíacas3 . Já em Roma, o teatro era instrumento dos jogos nomeados como Ludi Romani (Jogos Romanos), sempre a favor do Estado. Todavia, pouco tempo depois, nascia um dos principais dramaturgos romanos, responsável por inspirar os tipos da Commedia Dell’ Arte e os futuros escritores, por utilizar a interpretação teatral e a mimese, ao destacar a sociedade em suas obras: Plauto (254-184 a.C). Nascido em Sarsina, na Itália, costumava andar com uma troupe de Fábula (ou Farsa) Atelana, que foi uma expressão artística da cidade de Atela na Grécia, considerada ancestral da Commedia Dell’ Arte, já que foram identificadas algumas semelhanças com o gênero e seus tipos. 3 Havia na Grécia Antiga três grandes festivais em homenagem a Dionisio: as Dionísias Rurais, que se celebrava a meio do inverno e que se destinava a solicitar os favores de Dionisio à fertilidade das terras; o Festival de Lenaea, que decorria em janeiro, devotado aos casamentos; e o principal festival para o qual as peças gregas que chegaram aos nossos dias foram escritas: a Grande Dionísia ou Dionísia Urbana, celebrada em Atenas.
  • 16. 16 Acredita-se que o sobrenome de Plauto, Maccius, tenha sido convertido para um tipo tradicional da Farsa Atelana. BERTHOLD (2000) faz uma citação a respeito: Seu segundo nome, Maccius, parece confirmar essa experiência, pois “Maccus” era um dos tipos fixados da Farsa Atelana – o guloso e ao mesmo tempo finório e pateta, que sempre dá um jeito para que seus comparsas de jogo tenham, no fim, de ficar com o ônus dos prejuízos quanto do escárnio. (BERTHOLD, 2000, p. 144) Podemos observar que o tipo do Maccus da Farsa Atelana, consiste em uma espécie de ancestral do Arlecchino da Commedia Dell’ Arte. Mas nesse tópico o que é importante destacar é que Plauto enfatizou, em suas comédias, o contraste entre os ricos e os pobres. A aristocracia (a nobreza) é ridicularizada pela comédia popular, quando os ricos ou mais velhos são logrados pelos seus servos. Apesar de estes serem oprimidos pelo poder de seus superiores, eles têm a vantagem da astúcia, elemento principal destes personagens. Dessa forma, os personagens/tipos são construídos na Farsa Atelana, assim também acontece na Commedia Dell’ Arte. É importante destacar que a aristocracia é criticada por meio de paródias e sátiras por diversos dramaturgos, desde as representações dos deuses e dos heróis na Grécia Antiga. Esta crítica ganha força com a constituição dos tipos da Commedia Dell’ Arte, principalmente por destacar os conflitos entre os velhos e os servos. Esse grupo será denominado de Vecchi (velhos) e Zanni (servos), como veremos a seguir, no próximo tópico. 1.3 O Surgimento da Commedia Dell’ Arte No tópico anterior foi colocado que a Fábula (ou Farsa) Atelana continha características e tipos que podem ter sido precursores da Commedia Dell’ Arte, pois a representação da Fábula Atelana consistia no desenvolvimento improvisado de intrigas pré-ordenadas. Essas intrigas aconteciam mediante quatro tipos-fixos fortemente caracterizados nas máscaras, no comportamento
  • 17. 17 e no aspecto, estilizando tipos populares. São eles: Pappus – um velho estúpido, avarento e libidinoso; Maccus – gozador, tolo, brigão; Bucco – com uma boca enorme provavelmente por ser comilão, ou ainda tagarela e Dossennus, um corcunda malicioso. Podemos pensar que Pappus seria o Pantalone, na Commedia Dell’ Arte, ou Maccus o Arlecchino, ou ainda Bucco poderia ser Brighella. Enfim, são máscaras aproximativas numa distância de quase dois milênios entre elas. De acordo com BERTHOLD (2000), podemos dizer que as máscaras gregas foram os principais elementos adotados pela Commedia Dell’ Arte. É importante destacar que os atores já utilizavam máscaras - durante o período de Cristo - para satirizar o poder, inclusive os cristãos que eram perseguidos pelos soldados romanos na época. Muito tempo depois, a própria igreja perseguiu os comediantes, a partir do momento que eles exercitavam a liberdade de expressão. Ao ridicularizarem inclusive membros da igreja, os comediantes foram banidos. Os atores tiveram que improvisar apresentações em praças, ruas e viviam como saltimbanco4 . As apresentações, muitas vezes, ridicularizavam o poder, ou seja, a Aristocracia. Com isso, o gênero da comédia popular ganhava prestígio e a identificação do povo. Com o passar do tempo, durante os séculos XV e XVI, o gênero da comédia ganhou um status maior pelo seu conjunto de elementos, que formaram uma expressão artística única: a Commedia Dell’ Arte. Antes disso, sua origem era baseada na comédia popular e era chamada de “Commedia All Improviso” e “Commedia a Soggetto”. Inicialmente, a Commedia Dell’ Arte tinha como forte característica a oposição ao “Teatro Erudito”, que será explorada no terceiro capítulo. Os atores da Commedia Dell’ Arte se identificavam por utilizarem máscaras na construção de seus personagens. É importante destacar que as 4 “O Saltimbanco era um artista popular que, nas praças públicas, quase sempre em cima de um tablado, fazia demonstrações de habilidades físicas, de acrobacias, de teatro improvisado, antes de vender ao público objetos variados, pomadas ou medicamentos.” (PAVIS, 1999, p.349)
  • 18. 18 máscaras eram utilizadas como elemento básico na investigação da corporeidade e interpretação do ator. Era também a partir do estudo da máscara que os atores descobriam os sentimentos e os traços que eram responsáveis por dar vida ao personagem/tipo. A Commedia Dell’ Arte também foi responsável por outros elementos artísticos, que foram utilizados e aperfeiçoados com a evolução da arte: a pantomima, improvisação, personagens tipificados e cenas repetidas (Lazzi). Este último elemento, também será explicado adiante. Na Antiguidade clássica grega, as tragédias caracterizavam-se pela representação de deuses e heróis. Entretanto, a comédia ridicularizava a imagem dos personagens representativos da nobreza. Com o passar do tempo, podemos dizer que a Commedia Dell’ Arte resgatou a essência da comédia grega, que era de criticar o poder e a aristocracia, que oprimia a classe menos favorecida. De acordo com a análise dos personagens da Commedia Dell’ Arte, identifiquei-os em duas classes sociais: a aristocracia e o proletariado. A primeira é formada pelos personagens patrões, intelectuais, ou seja, aqueles que exercem o poder: Vecchi (“velhos” em italiano). A segunda classe social é formada pelos personagens/tipos empregados, criados, que constituem a classe dos Zanni (os servos). Durante as representações da Commedia Dell’ Arte, é possível ver estas duas classes entrando em conflito a todo momento. Se um patrão oprime o criado, este consegue uma maneira de ganhar uma vantagem em cima de seu patrão. O poder é ridicularizado pela astúcia, pelas traquinagens dos Zanni e estes são oprimidos pelo poder aristocrata dos Vecchi. Entre os principais tipos da Commedia Dell’ Arte, podemos observar que os Zanni – cuja principal virtude é a astúcia – são os responsáveis por contrapor o contexto social em que estão inseridos e por superarem a inteligência dos Vecchi, que são os patrões. Entre os zanni, Arlecchino é o tipo mais popular. Ele encarnava uma mistura de esperteza com ingenuidade, estando sempre no núcleo dos
  • 19. 19 conflitos. Brighella era o companheiro mais próximo de Arlecchino, aquele se caracterizava por ser um criado libidinoso e cinicamente astuto. Colombina era a namorada de Arlecchino, usualmente retratada como inteligente e habilidosa. Entre os principais personagens dos Vecchi, estão: - Pantalone, que se destaca por ser um rico veneziano, avarento e conservador. Também era apaixonado por provérbios e a ira fazia parte de seu humor. - Dottore aparecia, algumas vezes, como amigo ou rival de Pantalone. Dottore era o representante do erudito, era vaidoso por ostentar sua intelectualidade, por expor lições de morais para os demais personagens, mas sempre era enganado pelos outros, devido sua ingenuidade e acabava contradizendo-se entre o que falava e fazia. Havia também a presença do terceiro grupo, formado pelos Enamorados que não usavam máscaras. Entre os principais personagens estão: - Horácio, personagem egoísta, fútil e vaidoso, vestido sempre na última moda. - Isabella, apesar de sua inocência, era sedutora e apaixonava-se facilmente. Geralmente, a enamorada era cortejada por dois pretendentes, um jovem e um velho. Os Zanni se caracterizam por serem astuciosos e usarem essa qualidade para obterem vantagem a favor de si mesmos. Eles são o tipo de personagens que sofrem, são humilhados por seus patrões, que perdem durante a história, mas no final conseguem dar a volta por cima tirando vantagem de alguma situação. A Commedia Dell’ Arte surgiu na segunda metade do séc. XV, atingiu sua maior popularidade no séc. XVII e chegou até meados do séc. XVIII, quando entrou em declínio. Este gênero teatral que durou aproximadamente dois séculos e meio exerceu grande fascínio por quase toda a Europa, mas ultrapassou o tempo e o espaço, chegando até os dias de hoje.
  • 20. 20 A partir da divisão entre as classes sociais na Commedia Dell’ Arte, podemos observar que este conflito social é bastante presente também no cotidiano da sociedade contemporânea. E para destacar os conflitos entre classes, iremos analisar no capítulo seguinte, um dos principais meios de comunicação de massa, que desde a sua criação, é responsável por influenciar no comportamento da sociedade: a mídia televisiva.
  • 21. 21 Capítulo 2: Chaves e a Comédia Popular Televisiva No presente capítulo iremos analisar os principais aspectos da mídia televisiva e sua influência na rotina e ações da sociedade. Contudo, não é o objetivo deste trabalho o aprofundamento do histórico da Indústria Cultural, mas nos determos no seriado Chaves. 2.1 A Indústria Cultural e a influência da Mídia Televisiva no comportamento da sociedade No início do século XX, os filósofos alemães Max Horkheimer (1895- 1973) e Theodor Adorno (1903-1969), consideraram o avanço tecnológico, como prejudicial a sociedade, por contribuir com o surgimento de novas expressões artísticas que dependiam do retorno lucrativo de suas produções. Desde então, estes filósofos nomearam estes grupos de “Indústria Cultural”. Entre as principais expressões que destacaram-se com o avanço tecnológico, podemos citar o cinema, a televisão e o rádio. Atualmente, a Indústria Cultural tem sido o principal sistema responsável por influenciar o comportamento da sociedade nas últimas décadas. A exemplo disso, podemos destacar a televisão, que tem sido um dos maiores meios de comunicação de massa, desde sua criação. Ela está presente no cotidiano das pessoas, assim como a internet que, nos últimos anos, divide o espaço com a televisão e está cada vez mais em evidência, como uma “necessidade” diária das pessoas estarem “conectadas” ao mundo. Todavia, nos tempos atuais, a Indústria Cultural e em específico a televisão, tem passado por muitas críticas, sendo acusada por teóricos, pela banalidade de suas programações, visando apenas obter a audiência para suas respectivas emissoras e o lucro proveniente delas. Para enfatizar esta situação, é importante citar a Escola de Frankfurt, que era formada por diversos teóricos, que criticavam a comunicação de massa, como um todo. No livro O que é indústria, do escritor TEIXEIRA COELHO, podemos destacar tais críticas em relação à indústria cultural na
  • 22. 22 seguinte citação: “[...] Identificavam a indústria cultural como indústria da diversão entendida como instrumento de alienação” (COELHO, 1984, p.15) Em relação à indústria da televisão, esta “alienação” é referente à mídia consumista, que influencia nas atitudes rotineiras da sociedade, por meio de seu mercado publicitário. Pois este mercado específico acaba incentivando o espectador a seguir o padrão de consumo do momento. Podemos citar alguns exemplos: os trejeitos do personagem de uma novela, a cerveja saborosa, a maquiagem ideal, a roupa que está na moda, entre outros produtos. De acordo com a crítica em relação à Indústria Cultural, que boa parte da programação televisiva, é considerada como mercado de massa (masscult). Segundo os teóricos de Frankfurt, esta “massa” é uma denominação pejorativa para identificar “produtos de baixa qualidade”. Contudo, estes críticos e estudiosos, acabam inevitavelmente generalizando todos os produtos do mercado televisivo, considerando assim, “que todas as programações são de baixa qualidade, por não contribuírem para o conhecimento cultural da sociedade”. Para se opor a essa linha de pensamento, (COELHO, 1984) faz um breve comentário, em relação aos críticos da Indústria Cultural: Particularmente após os estudos da Escola de Frankfurt, proclamadores de uma sentença de condenação contra a indústria cultural, o prazer foi particularmente banido dos produtos dessa indústria. É comum ver um crítico que exige seriedade e engajamento da TV ou do rádio, esquecer completamente essa exigência quando, por exemplo, trata de um filme de Fellini. Quer dizer: quando o negócio é com a cultura dita superior, tudo é permitido; da cultura inferior, da masscult, exige-se seriedade. Este é um índice claro da existência de um preconceito contra a cultura pop, contra o povo: "a massa é ignorante e portanto não pode perder tempo com prazer; temos, nós, de torná-la culta, através da seriedade". (COELHO, 1984,pág.16 e 17) O grande problema de generalizações em relação à qualidade das produções televisivas, é que estas críticas radicais, acabam se tornando preconceituosas, por defenderem uma ideologia absoluta. É importante destacar, que essa situação não ocorre somente na Indústria Cultural, mas
  • 23. 23 também em outros contextos: religião, política, raça, opção sexual, nacionalidade, entre outros. Compreendendo o dito popular de que “gosto não se discute”, todavia, ao criticarmos algum produto da mídia televisiva, ou de qualquer outra espécie, precisamos analisá-lo com certa neutralidade do ponto de vista técnico. Sendo assim, podemos afirmar que a televisão, propriamente dita, é um mercado de massa? Será que todas as produções televisivas não tem algum valor cultural e intelectual? Para responder tais questionamentos, optei por analisar o seriado televisivo Chaves, por ser considerado um produto do “mercado de massa”, que foi produzido na década de 70 e, para muitos, é considerado como infantil e um produto muito simples (até precário) da mídia televisiva. Mas seu sucesso foi crescente e continua firmado no gosto popular, em seu país de origem, o México, em outros países sul-americanos e principalmente no Brasil. Após obter o conhecimento da Commedia Dell’ Arte, comecei a comparar os principais aspectos dos tipos desta expressão teatral, com as características dos personagens do seriado Chaves. Com isso, obtive diversos indícios de proximidade entre ambas, principalmente pela percepção de representação do cotidiano da sociedade, enfatizando os conflitos entre as classes sociais existentes dentro de um contexto histórico e cultural. Contudo, faz-se necessário conhecer alguns aspectos pessoais do criador do seriado Chaves, que obteve o seu sucesso “Sem querer querendo”, como veremos a seguir. 2.2 Chespirito - O pequeno Shakespeare Roberto Gómez Bolaños, também conhecido no México como Chespirito (pequeno Shakespeare), nasceu na Cidade do México no ano de 1929. Na sua infância sonhou em ser jogador de futebol profissional, já na adolescência, engenheiro e boxeador. Na sua juventude, também tinha um hobby que foi o principal responsável pelo seu sucesso no futuro: a de escritor. Ele costumava
  • 24. 24 escrever para uma coluna jornalística chamada Cuartilla Loca, de um jornal da Cidade do México. Anos mais tarde, Chespirito viu um anúncio em um jornal, que precisava de uma vaga para aprendiz de produtor de TV e outra vaga para escritor. Ele aproveitou seu talento e se candidatou a vaga de escritor na agência de publicidade D’ Arcy. Depois foi contratado e começou a escrever textos publicitários: frases para comerciais, folhetos, cartazes, letras de jingles para diversos produtos e programas de rádio e televisão. A publicidade estava mostrando um futuro promissor para Chespirito, mas ele gostaria mesmo é de escrever textos para teatro, pois em sua adolescência, costumava escrever alguns textos e apresentava peças de teatro com seus amigos no clube Los Aracuanes. A partir de então intensificou sua leitura e escrita, com o intuito de especializar-se como escritor. Sua premiação ocorreu quando Carlos Riverolli del Prado - criador de várias séries de rádio no México, viu seu talento e o convidou para escrever roteiros para um dos mais famosos programas de rádio da época: Virulita e Capulina. Ele não desperdiçou a oportunidade e foi até a sede da XEW, rádio responsável por transmitir a série de Viruta e Capulina, interpretadas, respectivamente, por Marco Antonio Campos e Gaspar Henaine. A dupla cômica da série simpatizou rapidamente com o escritor talentoso. Em pouco tempo, Chespirito recebeu a resposta do público: os ouvintes riam bastante de suas piadas, motivo este que foi o bastante para ganhar mais 15 minutos de transmissão, totalizando 30 minutos de série e assumir o primeiro lugar na audiência da rádio. Para sua surpresa, o mesmo patrocinador que havia feito a proposta de escrever roteiros para a série Viruta e Capulina, questionou se ele estaria disposto a escrever algo semelhante para a televisão. Mais uma vez, ele aproveitou seu talento como escritor: a série de rádio Viruta e Capulina ganhou um programa televisivo chamado de Cómicos y Canciones Adams no canal 2, do então, Telesistema Mexicano.
  • 25. 25 Em pouco tempo, a transmissão televisiva da série se tornou a mais popular da televisão Mexicana e Chespirito se tornou o escritor mais solicitado e bem pago do mercado televisivo. Chespirito continuou escrevendo os roteiros do programa de TV Cómicos y Canciones e se destacava pelo seu talento como escritor. Até que ocorreu um imprevisto: um dos atores não apareceu para gravar o programa. Por causa da concorrência entre as emissoras e a briga pela audiência, o problema teve que ser resolvido rapidamente. Foi a partir de então que o diretor de produção do programa, Mario de la Piedra, incentivou Juan ‘El Gallo’ Calderon - diretor do programa - que colocasse Chespirito para interpretar no lugar do ator que havia faltado na gravação. Apesar dele, em princípio recusar, acabou aceitando a proposta e destacou-se como ator e pela criatividade de seus personagens. É importante ressaltar que Chespirito não tinha nenhuma experiência sobre atuação para a TV. Então ele resolveu investir em si próprio, lendo livros e estudando conceitos básicos de atuação para a televisão. A aceitação do público e de seus amigos de cena foi imediata e ele continuou a escrever o roteiro do programa além de atuar. A medida que ia evoluindo como roteirista e ator de Cómicos y Canciones, também houve algumas desavenças econômicas, entre a dupla cômica do programa. A situação ficou séria quando um dos atores, Gaspar Henaine - intérprete do personagem Capulina - começou a incomodar-se com a crescente admiração do público, em relação ao escritor e ator Chespirito, nesta época já era chamado de “pequeno Shakespeare” pelo talento de seus roteiros e por sua estatura ser baixa. Esta situação, fez com que Chespirito renunciasse o cargo de escritor e ator de Cómicos y Canciones, mas logo foi chamado por outros diretores de programas televisivos, também para escrever e atuar no cinema. No dia 25 de Janeiro de 1969, foi a data de inauguração das transmissões do canal 8 (TIM). Os diretores da TIM precisavam de um roteirista
  • 26. 26 com experiência e talento para criar algumas programações para o recente canal. Chespirito ficou responsável por criar uma série humorística, que se chamava El Ciudadano Gómez5 . Ele aproveitou a oportunidade e colocou seu próprio sobrenome para o personagem protagonista. Este personagem tratava- se de um cidadão que sofrera um acidente de carro e perdia a memória e, por este motivo, acabava se metendo em algumas encrencas por querer ajudar os mais necessitados. Com o sucesso de El Ciudadano Gómez, Chespirito recebeu outra proposta, dessa vez o produtor de origem cubana, Sergio Pena, fez um convite referente para uma participação em um programa semanal intitulado Sábados de la fortuna, que seria exibido durante todo o dia, com apresentações de danças, músicas, inclusive de quadros humorísticos. Foi neste momento, que Chespirito criou a esquete Los supergenios de la mesa cuadrada que caracterizava-se por fazer paródias referentes a jornais esportivos de mesa redonda, que fazia sucesso no México, na época. Foi nesta esquete, que ele criou o personagem Dr. Chapatin: um velho ranzinza e atrapalhado. Ele parodiava alguns médicos e cientistas. Mais uma vez, o escritor mexicano obteve sucesso em suas criações, mas resolveu acabar com o quadro Los Supergenios de la mesa Cuadrada, porque o programa acabou desagradando algumas pessoas do meio artístico, que eram vítimas das piadas dos atores do programa. BOLAÑOS (2012) destacou em sua biografia oficial: Eu me dei conta de que estava abusando e lançando mão de recursos indevidos, porque eu não tinha direito de fazer piada com as pessoas. Todos me diziam: “Você está louco. É justamente isso que dá certo”. Sim, mas eu já não queria causar aqueles danos. (BOLAÑOS, p. 69) 5 Esta foi a primeira série humorística criada por Chespirito e também foi a primeira vez que ele interpretou ao lado de Ruben Aguirre, que viria a ser o Prof. Girafales no seriado Chaves. El Ciudadano Gómez chegou a ficar em 1º lugar, disputando semanalmente com o canal 2 (que viria a se tornar a atual Televisa).
  • 27. 27 O comentário de Chespirito retrata as condições que se encontra a comédia popular televisiva atualmente, onde muitos humoristas e comediantes são processados pela intensidade invasiva e desrespeito de suas piadas, em relação às pessoas conhecidas da sociedade, até mesmo do meio artístico. De acordo com esta perspectiva, considero a preocupação e o respeito em relação aos outros, como um dos possíveis motivos do sucesso de Chespirito e seus tele seriados. Esta argumentação fica comprovada quando ele recebe um programa próprio, já na Televisa (canal 2) do México. O nome do programa era o seu próprio apelido artístico, que se tornaria reconhecido em toda a América Latina: Chespirito. Ele recebeu uma hora de programa para criar seus novos personagens. E foi exatamente em seu novo programa, que criou seus principais personagens de sucesso: Dr. Chapatin, Chómpiras (no Brasil foi apelido de Beterraba, Garrafa e também de Chaveco), Pancada Bonaparte, além de fazer esquetes parodiando O Gordo e o Magro e Charles Chaplin. Também criou dois de seus principais personagens: O Chapolin Colorado (El Chapulín Colorado) e Chaves (El Chavo del Echo). Chapolin Colorado trata-se de um super-herói desajeitado, medroso e feio, esteticamente falando. O objetivo do autor mexicano, com o Chapolin Colorado, era de parodiar os super-heróis americanos, que caracterizam-se, em sua maioria, por serem milionários, inteligentes, seguirem um padrão estético americano, e possuírem super - poderes. O Chapolin Colorado tem semelhanças com o tipo do Capitão da Commedia Dell’ Arte, porque ambos têm as características de serem valentes, mas no momento da batalha, demonstravam medo. Chespirito enriqueceu o personagem Chapolin Colorado, ao enfatizar a fraqueza e o medo do personagem, para superar seus limites e assim salvar os necessitados. Embora muitas vezes, ele acabava ajudando mais os vilões com suas trapalhadas, mas no final sempre conseguia obter êxito. Portanto, Chapolin Colorado é outro objeto de pesquisa que pode ser observado em relação aos tipos da sociedade e da própria Commedia Dell’ Arte em outra oportunidade.
  • 28. 28 Apesar de ter feito muito sucesso com o Chapolin Colorado, foi com o programa Chaves, que Chespirito foi reconhecido mundialmente e superou seus próprios limites, como ator e escritor. O próprio bordão do personagem Chaves enfatizava a todo instante, seu destino artístico: “Foi sem querer querendo”. 2.3 A Dramaturgia do seriado Chaves Em 20 de Junho de 1971, foi criado o seriado Chaves. Em instantes, o nível de popularidade do seriado, ultrapassou as fronteiras do país, chegando a conquistar quase toda a América Latina. Com o sucesso de Chaves na emissora de televisão TIM (canal 8), Emilio Azcárraga Milmo – presidente do Telesistema Mexicano – fez uma proposta para Chespirito transferir-se para o Telesistema, porque o seriado Chaves competia com o canal de Emilio e ganhava muita audiência para a TIM. A proposta de Emilio tratava-se do dobro do cachê que Chespirito recebia na TIM por cada episódio produzido e de 300 mil pesos para a produção. Pouco tempo depois, a TIM (canal 8), que foi responsável pelas oportunidades oferecidas ao criador de Chaves, passa por uma fusão com o Telesistema Mexicano (canal 2), criando a partir de então, o maior grupo de televisão do México: Televisa. Já no canal 2 (Televisa), em pouco tempo, Chaves atingiu os patamares da audiência de forma inesperada, não somente no México, mas em boa parte da América Latina e Central. O seriado era constituído pelos seguintes atores: Roberto Gómez Bolanõs (Chaves), Carlos Villagrán (Quico), María Antonieta de las Nieves (Chiquinha/Dona Neves), Édgar Vivar (Seu Barriga/Nhonho), Ramón Valdéz (Seu Madruga), Rubén Aguirre (Prof. Girafales), Florinda Meza (Dona Florinda/Pópis), Angelines Fernández (Dona Clotilde), Raúl Padilla (Jaiminho – o carteiro) e Horacio Bolaños (Godinez). Este último era irmão de Chespirito.
  • 29. 29 O primeiro aspecto a ser analisado no seriado, é a presença de atores adultos ao interpretarem crianças, juntamente com atores que faziam somente personagens adultos. É importante destacar, que na primeira interpretação do personagem Chaves – em 1971, ainda na TIM – Chespirito tinha 42 anos. Este fato foi um dos principais motivos, que despertou a curiosidade e atenção dos espectadores. Principalmente porque a interpretação das crianças era convincente, em outras palavras, a mimese era elemento essencial do programa. As crianças interpretadas pelos atores eram inspiradas no cotidiano, assim havia uma identificação do público com os personagens e com o contexto social em que cada criança estava inserida. Sabemos que para um ator interpretar uma personagem criança, ou qualquer outro tipo de personagem, é preciso estudar não somente o comportamento delas, mas de fazer uma construção de sua interpretação a partir do meio em que estão inseridas. No caso de Chaves, uma vila onde moram vizinhos de diferentes classes sociais. O segundo aspecto responsável por causar a empatia do espectador, em relação ao seriado Chaves, é a presença melodramática contida nos episódios. Ao analisarmos os episódios do seriado, podemos constatar o clímax da carga melodramática, principalmente nas cenas do protagonista Chaves, quando este é posto diante de uma situação triste, acompanhado de uma música de fundo melancólica. Contudo, as características do personagem Chaves, serão detalhadas mais a frente, juntamente com o personagem Arlecchino, da Commedia Dell’ Arte. CARDOSO (2005), enfatiza em sua dissertação “A Saga do Herói Mendigo: O riso e a Neopicaresca no programa Chaves – a influência do Melodrama6 , no sentimento do espectador: 6 Segundo Patrice Pavis: “O melodrama (literalmente e segundo a etimologia grega: drama cantado) é um gênero que surge no século XVIII, aquele de uma peça – espécie de opereta popular – na qual a música intervém nos momentos mais dramáticos para exprimir a emoção de uma personagem silenciosa”. (PAVIS, 1999, p. 238)
  • 30. 30 (...) O melodrama apresenta um forte caráter emocional, principalmente no sentido de fazer chorar, (...) A colocação moral das lágrimas é característica da produção da cultura de massas, tendo sido completamente absorvida pela indústria cinematográfica da América Latina nas décadas de 30, 40 e 50 do século passado. Esse choro atua no sentido de catarse legítima de emoções como piedade e temor, articulando moral e catarse. (CARDOSO, 2005, p. 92) Como podemos verificar, o autor de Chaves utilizou cenas melodramáticas, com o objetivo de que o espectador refletisse sobre a “orfandade” do personagem. Não se tratava de “incentivar o espectador a ter pena do personagem”, pelo contrário, são nas cenas melodramáticas, que ocorre o clímax da crítica social do seriado. Todavia, Chespirito utilizava sempre uma gag7 , logo depois de o espectador, ser tocado pela carga emotiva da cena. Com isso, ele conseguia algo que poucos comediantes conseguem despertar no público: sorrir e se emocionar ao mesmo tempo. Vale ainda destacar que os episódios ainda são exibidos constantemente pelo Sistema Brasileiro de Televisão (Sbt) – emissora de TV do empresário e apresentador Silvio Santos – e mesmo assim continuam despertando a emoção e risos nas cenas melodramáticas do personagem Chaves. Apesar de não haver um depoimento do próprio Chespirito, afirmando que tinha se inspirado na Commedia Dell’ Arte, enfatizaremos os principais elementos interpretativos, que indiquem as proximidades entre a dramaturgia do seriado Chaves, em relação à mesma. 7 Gag: efeito burlesco. São jogos de cena que contradizem o discurso da cena e serve como uma saída para o ator improvisar em situações inusitadas. É semelhante aos lazzi da Commedia dell’Arte. (PAVIS, 1999).
  • 31. 31 Capítulo 3: A Commedia Dell’Arte e o seriado Chaves – Relações que atravessam o tempo Após termos abordado a origem da Commedia Dell’ Arte, de identificarmos o autor Roberto Gómez Bolaños e também de investigar os indícios que ressaltam evidências da proximidade do seriado Chaves, com a Commedia Dell’ Arte, é o momento de relacionar os dois objetos dessa pesquisa, a partir de aspectos semelhantes nos episódios do seriado. É importante destacar que serão analisados os seguintes personagens: Chaves, Quico, Chiquinha, Seu Madruga, Prof. Girafales e a Dona Florinda, porque estes personagens, demonstraram maior evidências de proximidade, no que diz respeito a caracterizações e ações com os respectivos tipos: Arlecchino, Brighella, Colombina, Pantalone, Scaramuccia, Dottore e Enamorados, da Commedia Dell’ Arte. 3.1 O Estudo da Natureza do Homem Provavelmente, os atores da Commedia Dell’ Arte costumavam observar os trejeitos das pessoas da sociedade para a construção dos principais arquétipos. A exemplo disso, o comediante Charles Chaplin, enfatiza sobre como fazia as pessoas rirem, ao ser questionado pelas pessoas, de qual seria a fórmula de tanto êxito de seus filmes: Não há mistério para fazer rir o público. Todo o meu segredo foi o de ter mantido os olhos abertos e o espírito vigilante em relação a todos os incidentes capazes de serem utilizados em meus filmes. Estudei o homem porque, sem o conhecer, nada poderia ter feito na minha profissão. (...) o conhecimento do homem está na base de todo êxito. (CHAPLIN, 1989, p. 73) Seguindo o comentário de Charles Chaplin, podemos identificar a presença da observação da natureza do homem, no método de criação dramatúrgica, dos personagens de Chespirito, principalmente por este analisar as principais características das pessoas e enfatizar os conflitos de acordo com a composição das classes sociais.
  • 32. 32 Em sua biografia Chaves - A História oficial Ilustrada, Chespirito enfatiza como surgiu a ideia de criar seus personagens, que continuam fazendo sucesso até hoje. Vamos observar seu comentário, a respeito da criação do personagem Quico, por exemplo: Este personagem me ocorreu certa vez quando estávamos em uma festa de adultos e algumas crianças se reuniram. Havia um dos garotos que eu não suportava, porque era convencido demais, e tirei muitas coisas daquela situação. Ele dizia ‘Ah, diz que sim, não seja malvado’. Pensei: ‘Se alguém me dissesse isso na vida real, eu não sei o que eu faria.’ (BOLAÑOS, 2012 p.111) Esse tipo de observação é um dos principais aspectos que beneficia a autoria artística dos atores, na criação de personagens e de situações. O ator observa determinada ação do cotidiano e guarda aquela cena para si, mais tarde ele utilizará aquela cena em alguma situação encenada: seja no teatro, cinema, televisão, ou em qualquer lugar e situação. Podemos constatar no comentário de Zurca Sbano8 , a presença da estrutura dramatúrgica do estudo da natureza do homem, na constituição dos personagens tipificados da Commedia Dell’ Arte: Sempre nas peças tinha o cínico, que se chama hoje vilão. Na linguagem teatral era a classificação dos elementos do elenco: o galã – o mocinho; a moça que trabalhava, a mocinha, chamava-se ingênua. O pessoal do teatro hoje não conhece. Ingênua. Nessa peça tinha o pai da moça, que era o centro dramático. O centro dramático era aquele, o chorão, o sofredor; era o centro dramático. O intermediário a isso, o centro nobre. Então as mulheres eram: a ingênua, a caricata, a dama central; isso é o nome como se dava (...) O primeiro cômico, o segundo cômico. E justamente os principais: o galã, centro dramático, cínico e cômico. Agora, entre esses tem a dama central, tem o centro nobre, essas coisas. E tem ainda o artista, o caricato, o genérico, que faz todos, se adapta a qualquer papel, tudo isso. Era a designação do elenco. E, então, quando saíamos na rua, o povo passava assim: “Olha lá, aquele, aquele, aquele é o...” Chamava pelo nome da peça, sabe, o povo [risos]. “Olha lá, ali vai... Aquele é o barão. Aquele é o Servieris; olha lá, é o... aquele homem ruim” [risos], isso e aquilo, “aquele é o Álvaro”, chamava pelo nome do galã. “Aquele é o Álvaro, olha lá, aquele disse assim, isso e aquilo. Aquele é o Tomé, o isso e aquilo”, o nome do cômico. Chamavam assim com aquela admiração (Entrevista com Zurca Sbano. São Paulo, 1998). 8 Zurca Sbano: Artista Tradicional de Circo-Teatro em entrevista para a dissertação (Mestrado em Teatro) de MERISIO, Paulo: O espaço cênico no circo-teatro: caminhos para a cena contemporânea. Rio de Janeiro, 1999.
  • 33. 33 De acordo com as informações detalhadas, Chespirito obteve o retorno imediato, por utilizar o próprio público como objeto de laboratório para a construção dos personagens. Mais uma vez identificamos a presença da mimese (imitação), como elemento essencial nas criações dos personagens. Ainda mais se tratando do gênero de comédia, ela tem o poder de causar no espectador, a identificação do personagem, para com o mesmo. Se nas tragédias gregas, seu principal efeito era o estímulo da catarse, nas comédias clássicas e modernas, sua função é despertar o riso no espectador, por meio da representação dos mesmos, procurando enfatizar vários elementos de identificação com a sociedade. Como por exemplo: comportamentos, trejeitos, crítica social, entre outros atributos. Portanto, ao aliar a observação do cotidiano do homem e estimular a prática da imitação do mesmo, poderemos obter estes efeitos. A Commedia Dell’ Arte, por tratar-se de uma expressão artística do século XVI, confirma esta linha de pensamento, ao identificarmos seus principais aspectos em diversas obras de dramaturgos na modernidade, em específico o seriado Chaves. 3.2 Quadros comparativos entre as duas Expressões Artísticas: A Commedia Dell’ Arte e o seriado Chaves 3.2.1 A crítica das classes sociais Como dito anteriormente, a Commedia Dell’ Arte se divide em três grupos de personagens: Vecchi, Zanni e Enamorados. Contudo, está inserida em duas classes sociais distintas: aristocracia e proletariado. Traduzindo em termos populares, a primeira classe é a da riqueza e a segunda da pobreza. Os personagens Vecchi (Pantalone e Dottore), por exemplo, estão inseridos na classe superior, enquanto os personagens Zanni (Arlecchino, Brighella e Colombina) estão inseridos nas classes inferiores. Os Enamorados geralmente faziam parte da classe superior, pelo motivo de um
  • 34. 34 personagem ser filho do Vecchi Pantalone e o outro ser filho do Dottore. Sendo assim, é a partir desta constituição de classes sociais, presentes na Comedia Dell’ Arte, que surgem os conflitos. O seriado Chaves também é constituído pelos conflitos das classes sociais. A diferença está no contexto histórico dos séculos XV e XVI da Commedia Dell’ Arte, para o século XX, período em que foi produzido o seriado. Ao analisar detalhadamente os cenários, os personagens e o contexto em que está inserido o seriado em questão, iniciei por um quadro que identifica a presença de duas classes sociais distintas: a classe média e a classe baixa. CLASSE MÉDIA CLASSE BAIXA Seu Barriga Chaves Prof. Girafales Seu Madruga Dona Florinda Chiquinha Dona Clotilde Nhonho Quico A utilização gráfica deste quadro contribuiu na identificação social de cada personagem do seriado, cujo cenário principal trata-se de uma vila, onde moram alguns vizinhos, que entram em conflito a todo instante, principalmente pela diferença do status social entre eles. Com isso, podemos observar – tanto nas representações da Commedia Dell’ Arte, quanto do seriado Chaves, e inclusive de outras obras que tenham como base o conflito entre as classes sociais – a opressão da classe superior em relação à classe inferior e a utilização da astúcia, como elemento essencial, para que a classe inferior ganhe vantagem em relação à classe superior.
  • 35. 35 Portanto, observamos que a riqueza e a pobreza estão inseridas no contexto social do seriado e são os principais fatores, responsáveis pelo conflito das classes. Dessa forma o seriado Chaves destaca, através do contraste entre a “nobreza” e o proletariado, o modo de vida dos personagens e, assim, a identificação dos espectadores acontece. Podemos constatar essa afirmativa, pelo comentário da escritora de livros infantis Ruth Rocha, que enfatiza a pobreza positiva do seriado Chaves, contrapondo-o à ousadia do programa infantil Castelo Rá-tim-bum da TV Cultura: O melhor programa infantil é o Chaves do Sbt. Pode ser pobre, feio, mas quem escreve aquilo é inteligente. Chaves é circense. As crianças se identificam com os diálogos, com os trocadilhos, com as cenas de pastelão e com o personagem-título, que se comporta exatamente como elas. É uma atração simples e divertida, que não faz mal a ninguém. Considero-o melhor que o Castelo Rá-tim-bum, da TV Cultura. O Castelo é consistente, tem ótimos atores e atrizes e no deserto da TV brasileira, é uma maravilha. Mas é um pouco “over”, exagerado. O Castelo tem muita cor, ruído, grito, correria, apelo sensorial. As crianças, principalmente as menores, têm dificuldade em assimilar o que acontece na tela. (Entrevista para a Revista VEJA, 5/5/1999). É importante destacar que o objetivo desta citação não é de comparar os programas televisivos citados pela jornalista Ruth Rocha, mas sim de enfatizar a simplicidade do seriado Chaves que se utiliza da crítica social e consegue atingir os espectadores através da identificação. De acordo com esta perspectiva, observamos que Chespirito, destacou o conflito social das classes, no seriado Chaves, por meio de observação do cotidiano e comportamento da sociedade, também por ter estudado a natureza do homem de um modo geral. É a partir destas definições, que podemos relacionar as características entres os personagens do seriado e os tipos humanos da Commedia Dell’ Arte. 3.2.2 Composição de Lazzi na dramaturgia do seriado Chaves Esta pesquisa foi construída através de perguntas que precisavam encontrar respostas, ou alguma direção para o entendimento de algumas questões. Uma das perguntas formuladas foi: como o seriado Chaves conseguiu tanto tempo de sucesso, com exibições ininterruptas fora de seu
  • 36. 36 país de origem e ainda, disputar a audiência com programas bem produzidos de outras emissoras, sem ficar cristalizado com uma forma teatral que serviu de base para a atuação dos atores? O escritor brasileiro KASCHNER (2006) menciona sobre o humor e o sucesso do programa: “(...) duas características importantes: a quebra da expectativa e a proximidade entre Chaves e a Commedia Dell’ Arte”. A primeira característica pode ser observada nas vezes em que o Prof. Girafales troca o nome da Dona Florinda, denominando-a pelo nome de assunto em pauta no episódio. O Prof. Girafales chega à vila e conversa com as crianças – antes de ver a Dona Florinda. O assunto que ele conversa com as crianças, fica em sua mente. Então ele encontra a Dona Florinda e a chama por nomes que as crianças falaram. Em alguns episódios ele chama a Dona Florinda de velha carcomida, Dona chirimóia, entre outros apelidos, criados pelas crianças. Esse é um dos elementos do seriado, que contribuem para a quebra da expectativa da cena. A relação que estabelece com a Commedia Dell’ Arte italiana, embora a improvisação não domine o programa, pode ser divisada nos seguintes pontos comuns:  Atores que desempenham papéis fixos, ou seja, personagens arquétipos;  Tipos caracterizados pela indumentária (figurino);  Mesmo cenário (a vila como pátio central);  Correlação do personagem Chaves ao Melodrama;  Conflito entre as Classes Sociais;  Ridicularização da Aristocracia;
  • 37. 37  Repetição de cenas prontas (Lazzi). Em relação a estes pontos, acredito já ter mencionado os principais nesta pesquisa e ter enfatizado sobre a mimese e a questão da ridicularização da aristocracia. Vamos, então, aqui tocar no último quesito, os Lazzi. Dentro da estrutura dos Canovacci9 , por exemplo, também existia a possibilidade de intervenções autônomas, denominadas de Lazzi, onde os atores comentavam ou destacavam, comicamente, as ações principais, interligando as cenas e ocupando os espaços vazios, ou seja, tratava-se de cenas repetitivas e prontas que o ator encaixava em todas as histórias e que confirmavam a expectativa do espectador. Com o uso, esses Lazzi, eram repetidos e fixados e passavam a fazer parte do repertório dos personagens. Os Lazzi eram importantes por provocar o riso da plateia e também de dar tempo para os demais atores realizarem tarefas necessárias, como trocar de figurino ou qualquer outro reajuste do tipo. O seriado Chaves utiliza diversas intervenções autônomas, assim como os Lazzi identificados na Commedia Dell’ Arte. Como exemplo, podemos citar as seguintes ações:  Quando Seu Madruga leva uma tapa da Dona Florinda, Quico o empurra e ele pula no seu chapéu;  Quando Quico leva um beliscão do Seu Madruga e vai chorar no canto da parede;  Quando Chaves leva um cascudo do Seu Madruga, ele chora e entra no seu barril. 9 De acordo com Patrice Pavis: ““O canevas é o resumo (o roteiro) de uma peça para as improvisações dos atores, em particular na Commedia Dell’ Arte. Os comediantes usam os roteiros (ou canovacci) para resumir a intriga, fixar os jogos de cena, os efeitos especiais ou os lazzi. Chegaram até nós coletâneas deles, que devem ser lidos, não como textos literários, mas como partitura constituída de pontos de referência para os atores improvisadores” (PAVIS, Patrice 1999, p. 38).
  • 38. 38 O Diretor teatral e Professor de História da Arte, na Escola de Comunicação da UFRJ, José Henrique Moreira, confirma a ligação de Chaves com a Commedia Dell’ Arte e também enfatiza sobre a utilização dos Lazzi em cena: Os personagens têm poucas características, mas bastante profundas; há vários lazzi, que são cenas prontas que o ator encaixa em todas as histórias e que confirmam a expectativa do espectador – quando o Seu Madruga joga o chapéu no chão e pula em cima, por exemplo; os mais velhos são logrados pelos jovens, que estão sempre tentando, ao seu modo, passar a perna, tirar vantagem; o poder é criticado – a figura do Senhor Barriga -; a trama é farsesca. Além disso, Chaves é o próprio Arlequim: não pode ver uma comida que sai correndo atrás. Ele tem o tom jocoso, mas ao mesmo tempo doce, do Arlecchino. (MOREIRA apud KASCHNER, 2006, p. 101). Diante do comentário de MOREIRA, podemos constatar evidências que comprovem a proximidade dos personagens do seriado em estudo, com os principais tipos da Commedia Dell’ Arte. Desse modo, no tópico a seguir, iremos analisar alguns episódios do mesmo, com o intuito de identificar as principais características dos personagens. Contudo, é importante destacar, que o objetivo não é de definir o tipo fixo de cada personagem do seriado, mas de identificar os tipos predominantes em um único personagem. Como é o caso dos personagens Seu Madruga, que tem proximidade com o Pantalone e o Scaramuccia e o Prof. Girafales, que tem características semelhantes aos tipos Dottore e Enamorado, como veremos mais a frente, no tópico a seguir. 3.2.3 Comparação das características dos personagens/tipos Dando início à análise, começaremos então pelo personagem mais popular da Commedia Dell’ Arte: o Arlecchino (Arlequim), por este estabelecer uma comunicação direta com o público proporcionando uma identificação entre ele e as classes menos favorecidas. É também um tipo que produz humor através de gags físicas e tem a esperteza como sua grande característica.
  • 39. 39 Figura 1 - Arlecchino anno 1671 - SAND Maurice. Masques et bouffons (Comedie Italienne). Fonte: Wikipedia, l’enciclopedia libera 10 Arlecchino é o principal personagem responsável por influenciar os conflitos entre as classes sociais, ou seja, entre os Patrões e seus empregados. Isto ocorre porque Arlecchino faz parte do grupo dos Zanni (servos), aparece sempre com o desejo de obter um prato de comida e uma terra para morar. Figura 2 – Chespirito, no papel de “El Chavo” (Chaves) Fonte: Página dos nosgeeks 11 8 – Disponível em: <http://it.wikipedia.org/wiki/Arlecchino> Acesso em: 1 de jun. de 2014. 11 Disponível em: <http://nosgeeks.com.br/um-fenomeno-a-mais-de-40-anos-esse-e-o-nosso- chaves/> Acesso em: 2 jun. de 2014.
  • 40. 40 É a partir desta perspectiva, que analisamos as características do personagem Chaves, em relação ao Arlecchino da Commedia Dell’ Arte. Ambos os personagens assemelham-se, principalmente, por serem esfomeados. No caso de Chaves, essa característica é acentuada pela orfandade do personagem. Contudo há também outras características relevantes de Chaves, que faz referência direta ao Arlecchino, como ser astuto, atrapalhado e ingênuo. Esta última também é destacada pelo fato do personagem Chaves ser uma criança. É através das trapalhadas de Chaves, que são desenvolvidos os conflitos entre os demais personagens, assim como acontece com o Arlecchino nas representações da Commedia Dell’ Arte. Chaves utiliza também a astúcia a seu favor para obter comida para matar sua fome, principalmente se for um sanduíche de presunto, sua comida favorita. Entretanto, há outra característica específica de Chaves, que é importante destacar: a acrobacia. Pois essa era uma das principais características que diferenciava Arlecchino dos demais personagens da Commedia Dell’ Arte, já que era o personagem que mais explorava a corporeidade, explorando saltos e quedas em suas cenas. Ao analisar os episódios de Chaves, destaquei alguns fragmentos que ressaltam o talento corpóreo de Chespirito, – intérprete do personagem Chaves – por fazer referência à corporeidade de Arlecchino. Há vários episódios onde podemos observar sua precisão corporal. Portanto, retirei três fragmentos dos seguintes episódios: O belo adormecido (1975)12 : Duração do episódio 22 min e 25 seg. Tempo do fragmento retirado: 11:32 até 11:40. O Futebol Americano (1976)13 : Duração do episódio 21 min e 12 seg. Tempo do fragmento retirado: 17:34 até 17:48. 12 Disponível em: <http://www.youtube.com/watch?v=QENZKp1geNI> Acesso em: 16 jun. 2014. 13 Disponível em: <http://www.youtube.com/watch?v=4qNzgvSD3Oc> Acesso em: 16 jun. 2014.
  • 41. 41 Os Farofeiros (1977)14 : Duração do episódio 22 min e 17 seg. Tempo do fragmento retirado: 7:45 até 7:56. É importante destacar que todos os episódios analisados nesta pesquisa, foram os exibidos no Brasil, traduzidos pela dublagem brasileira (Maga)15 O que chama atenção nessas cenas é a corporeidade de Chaves em diversas situações, dispensando o foco nos diálogos. Com isso, podemos identificar evidências da relação do elemento acrobático de Chaves, para com o Arlecchino e principalmente por Chespirito ter mais de 45 anos de idade, nas gravações destes episódios, mas não abria mão de sua precisão corporal, que adquiriu com os esportes que praticou em sua juventude. BOLAÑOS (2012) enfatiza em sua biografia oficial Chaves – A História Oficial Ilustrada, sua agilidade e flexibilidade corporal, que enriquecia artisticamente seus personagens, em específico o personagem Chaves que se tratava de uma criança: Fiz todo tipo de personagem - alguns espantosos no cinema e na televisão, mas comecei a me distinguir pela agilidade. Os esportes que pratiquei durante a minha vida (boxe, futebol, natação, salto e atletismo) me ajudaram a fazer muitas coisas: boas quedas, saltos... As brigas de rua também ajudaram muito, porque eu sabia brigar, sabia como dar golpes, como contê-los... E também como recebê-los. (BOLAÑOS, 2012, p.57.) Portanto, podemos observar que Chespirito aproveitou seu talento corporal, que contribuiu na constituição de seus personagens, a partir de suas vivências. Vale ressaltar que tinha 45 anos quando começa a interpretar o personagem Chaves de apenas 8 (oito) anos de idade. Semelhantemente, essa é uma característica que resgata a essência do Arlecchino, porque na Commedia Dell’ Arte, os atores costumavam representar os mesmos 14 Disponível em: <http://www.youtube.com/watch?v=8f95LEeOt8Y> Acesso em: 3 jun. 2014. 15 Maga (Abreviatura de Marcelo Gastaldi, proprietário da empresa de dublagem). Gastaldi, dirigiu e dublou o personagem Chaves, no seriado do mesmo. Após o falecimento do dublador em 1995, a empresa fechou.
  • 42. 42 personagens por toda a vida, com isso, proporcionavam uma cristalização do tipo representado. Assim como analisei o personagem principal do seriado, comparando-o com o Arlecchino, fiz o mesmo com outros personagens. Segundo os dados históricos pesquisados, o personagem Brighella era o Zanni principal da Commedia Dell’ Arte e seu histórico está relacionado ao personagem Arlecchino. Todavia, com o passar do tempo, o personagem Arlecchino, tornou-se o primeiro Zanni, principalmente por sua evolução no quesito do aspecto acrobático. O Grupo Teatral Moitará,16 confirma essa teoria: Entre os zanni, Arlecchino, proveniente de Bergamo, era a máscara mais popular. Inicialmente segundo zanni, transformou-se pouco a pouco em primeiro, encarnava uma mistura de esperteza com ingenuidade, estando sempre no centro das intrigas. (Grupo Teatral Moitará) Figura 3 - Brighella, século XVI. Fonte: Wikipedia (Inglês) 17 A partir de então o personagem Brighella – que era o primeiro Zanni – passou a ser o segundo e o Arlecchino tornava-se o personagem preferido do público. 16 Disponível em: <http://www.grupomoitara.com.br/d401_por.php> Acesso em: 2 Jul. de 2014. 17 Disponível em: <http://en.wikipedia.org/wiki/Brighella> Acesso em: 8 Jun. de 2014.
  • 43. 43 De acordo com esta perspectiva, podemos observar na evolução dos tipos, uma rivalidade entre Arlecchino e o Brighella, por meio das gags, ou seja, pela disputa de ambos nos jogos de cenas. Seguindo esta linha de pensamento, identificamos a possível origem das principais características do Brighella: trapaceiro, invejoso e agressivo. Arlecchino e Brighella formam uma espécie de dupla de palhaços nas peças da Commedia Dell’ Arte. Enquanto aquele utiliza sempre sua astúcia para matar sua fome, ou ganhar outra vantagem, Brighella sente inveja de Arlecchino e sempre comete uma trapaça com o mesmo, mas no final, Arlecchino sempre sai vitorioso e Brighella irrita-se por ter seus planos frustrados. Em relação ao seriado Chaves, ao analisar seus personagens, identificamos o personagem Quico (interpretado pelo ator Carlos Villagrán), com características semelhantes ao Brighella da Commedia Dell’ Arte. Figura 4 - Quico Fonte: Numaz News - Blogspot18 Quico é o garoto mimado do seriado. Quando ele está em perigo, sua mãe Dona Florinda, sempre aparece para defender seu “tesouro”. Ele tem as mesmas características do Brighella, citados acima. Por isso, seu principal amigo e rival (ao mesmo tempo) é justamente aquele que faz referência ao Arlecchino, ou seja, o Chaves. 18 Disponível em: <http://numaznews.blogspot.com.br/2012/08/um-verdadeiro-ufc-mexicano- chaves-x.html> Acesso em: 21 Mai. de 2014.
  • 44. 44 Podemos comprovar estas argumentações, ao analisarmos algumas cenas específicas e observarmos o personagem Quico fazendo inveja ao Chaves, por ter muitos brinquedos e por ter uma mãe que lhe dá dinheiro a todo momento para comprar doces. E principalmente quando Quico provoca Chaves ao comer um sanduíche de presunto, outras vezes pirulitos ou qualquer tipo de comida. Entretanto, no decorrer da trama, Quico sempre acabava com seus planos frustrados, porque os conflitos acabavam favorecendo ao Chaves, seja pela sua astúcia ou inocência por tratar-se de uma criança. Assim como destacado na relação de Arlecchino e Brighella, Chaves sai vitorioso na maioria das trapaças de Quico. Para destacar esta argumentação, analisei um fragmento de cena do episódio Isto merece um Prêmio (1974)19 , onde Chaves e Quico aparecem mostrando uma série de caricaturas ao Prof. Girafales, desenhadas por eles mesmos. Porém, em um dos desenhos, está a caricatura do “Prof. Linguiça” (apelido do Prof. Girafales, dado pelas crianças da vila). E o Prof. Girafales demonstra irritação ao ver sua caricatura. No decorrer do episódio, Quico confessa para Chaves que ele é o autor da caricatura, mas tem medo de levar uma bronca do Prof. Girafales. Então Quico consegue convencer Chaves a assumir a autoria da caricatura em troca de um sanduíche de presunto. Quando o Prof. Girafales enquadra os dois, Chaves mente ao dizer que ele mesmo tinha desenhado a caricatura. O episódio tem 17 minutos e 46 segundos. O fragmento da cena é a partir dos 15:53, até 17:17. Vejamos o diálogo a seguir: Seu Madruga – E vocês sabem? Sabem quem está aí também? O Prof. Girafales! E tá querendo descobrir quem desenhou uma caricatura que ele trouxe aí. Chaves e Quico – Nossa! Seu Madruga – Vão se preparando! 19 Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=052IQC3WW_8> Acesso em: 21 Mai. de 2014.
  • 45. 45 Quico - Chaves, por que você não diz que fez a caricatura dele? Chaves – Porque foi você que fez! Quico – Sim, eu sei. Mas se você disser que fez a caricatura... Chaves – Eu não digo... Quico – Eu te dou um sanduíche de presunto. Chaves – Eu digo sim! (Outra cena: O Prof. Girafales quer saber quem desenhou a sua caricatura.) Prof. Girafales – Bem, qual dos dois desenhou a minha caricatura? (Quico passa o sanduíche de presunto para as mãos do Chaves.) Prof. Girafales – Repito, qual dos dois desenhou a minha caricatura? Chaves – Eu. Prof. Girafales – Então meus parabéns. Chaves – Hã? Prof. Girafales – Pois este é um trabalho onde se nota os dotes de um verdadeiro artista... e... naturalmente isto merece um prêmio.Você gosta de biscoitos? Chaves (feliz) Sim! Prof. Girafales – Pois este pacote é só pra você. Chaves – Sim, sim, obrigado! (Chaves fica feliz ao receber o pacote de biscoitos do Prof. Girafales e Quico fica decepcionado. Ele empurra o Prof. Girafales e vai chorar no canto da parede.) Como acabamos de verificar, o final é surpreendente, o Prof. Girafales parabeniza Chaves pelo “seu dom artístico” e o presenteia com uma caixa de biscoitos. Entretanto, Quico fica triste e chora no canto da parede e confirma o histórico de rivalidade, os jogos de cenas (gags) e a superação de Arlecchino, sobre Brighella da Commedia Dell’ Arte. Seguindo com nossa análise, houve um aspecto revolucionador na interpretação dos atores da Commedia Dell’ Arte, que foi a inclusão da mulher
  • 46. 46 ao interpretar um personagem, porque até então, somente os homens representavam, inclusive os papéis femininos VIEIRA (2005). A partir da consolidação feminina na Commedia Dell’ Arte, uma das principais personagens que se destacou foi a Colombina, muitas vezes responsável pelos conflitos das representações. Figura 5 - Colombina com trajes típicos do final do séc. XVII Fonte: Wikipédia, a enciclopédia livre 20 Colombina fazia parte da classe dos Zanni – geralmente aparecia como uma criada – e, muitas vezes, também era namorada do Arlecchino. Normalmente era astuciosa, manipuladora e apaixonada. Ela costumava agir ao lado de Arlecchino em suas trapaças e era a mais astuciosa da classe dos Zanni, chegando a superar a astúcia do próprio Arlecchino e do Brighella. Com isso, ela conseguia manipular as ações dos demais personagens, inclusive de Arlecchino e Brighella, mas, assim como este último, tinha seus planos descobertos no fim da peça, exceto quando ela fazia parceria com seu amado Arlecchino. Estas definições podem ser observadas ao analisar a caracterização da personagem Chiquinha (interpretada pela atriz María Antonieta de las Nieves), do seriado Chaves. 20 Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Colombina> Acesso em: 8 jun. de 2014.
  • 47. 47 Figura 6 - La Chilindrina (Chiquinha) Fonte: Cultura Mix21 Chiquinha é filha do Seu Madruga e faz parte da classe baixa do seriado. Também é a mais astuciosa entre as crianças. Essa qualidade faz com que ela se aproveite de algumas situações, para ganhar vantagem em relação aos demais. Ela é uma criança hiperativa e é a mais inteligente da vila. No seriado, ela tem uma paixão ingênua por Chaves, que acaba inúmeras vezes não sendo correspondida. Destacando o uso de arquétipos que encontramos no seriado, a Chiquinha representa o tipo de criança que faz pirraça por tudo. Isso é comprovado em vários episódios, como por exemplo, quando ela pede dinheiro para seu pai – Seu Madruga – para comprar doces e este nega. Então ela começa a chorar exageradamente, destacando seu bordão principal: “Ué ué ué ué ué”. Para não ter que continuar ouvindo os gritos de Chiquinha, Seu Madruga acaba dando dinheiro e ela para de chorar imediatamente. Para enfatizar a relação da personagem Chiquinha, em relação às principais características da Colombina da Commedia Dell’ Arte, analisei um fragmento do episódio Quem semeia moeda, colhe tempestade (1977)22 , onde Chiquinha se aproveita de uma determinada situação: Chaves está na vila com um vaso de terra e pretende plantar um pé de carambolas. Até que em determinado momento, Chaves ganha uma moeda do Seu Madruga para 21 Disponível em: <http://www.culturamix.com/cultura/tv/chiquinha-do-chaves> Acesso em: 12 Jul. de 2014. 22 Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=7woEYaVAYAI> Acesso em: 12 Jul. de 2014.
  • 48. 48 comprar um algodão-doce e Chiquinha, aproveitando-se da ingenuidade de Chaves, incentiva-o a enterrar sua moeda no vaso de terra fazendo-o acreditar que irá nascer um pé de moedas. Quando Chaves sai para buscar um regador, Chiquinha pega a moeda e então surge o Quico, que também é enganado por ela, ao esconder sua moeda no vaso de terra e dizer a sua mãe Dona Florinda, que foi roubado. É nesse momento que Chiquinha pega a moeda do Quico, vai até a venda da esquina e retorna ao pátio da vila com dois algodões-doces. O episódio tem 23 minutos e 19 segundos. O fragmento da cena é a partir dos 21:23, até 22:40. Vejamos o texto seguinte: (Quico chora no canto da parede) Chiquinha: O que ouve Quiquinho? Quico: Roubaram minha moeda! Chiquinha: Isso, é isso que tem que dizer Quico! Quico: Não! Eu estou dizendo que me roubaram de verdade. Chiquinha: Que ator! Que atorzão você é Quico! Quico: (Irritado) Eu não sou nenhum ator! Eu estou dizendo que roubaram a minha moeda de verdade! Chiquinha: É isso aí! Está ótimo! Assim é que se faz, assim é que se faz... (Chaves aparece com um regador e vai até o vaso de terra. Quico desconfiado empurra o Chaves.) Quico: Ah! Então foi você que roubou a minha moeda! Chaves: Você tá querendo me roubar é?! Quico: Você é que quer roubar a minha moeda! Chaves: É você que quer roubar a minha moeda. (Enquanto Chaves e Quico brigam, Chiquinha se diverte rindo dos dois) Quico: Chaves, faltam duas moedas e a Chiquinha tem dois algodões! Chaves: Isso, isso, isso... (Em outra cena, Quico molha a Chiquinha com o regador e Chaves joga a terra no vaso) Quico: Agora temos que molhar bem, mas muito bem. Chaves: Sim, pra nascer uma árvore de Chiquinhas. (Chiquinha chora)
  • 49. 49 Na cena seguinte, Chiquinha aparece dentro do vaso de terra, sendo molhada com o regador que Quico segura e Chaves joga a terra no vaso. Assim como a personagem Colombina, Chiquinha tem seus planos descobertos no fim da trama. Seguindo com a análise, iremos agora falar do Pantalone: Figura 7 - Pantalone, 1550, por Mauricie Sand Fonte: Wikipedia (Inglês)23 Pantalone é um dos principais Vecchi da Commedia Dell’ Arte. Caracteriza-se principalmente por ser um velho ranzinza, impaciente e avarento. Geralmente, aparecia nas representações, como rival do Dottore, outro Vecchio de classe social elevada. Analisando os tipos da Commedia Dell’ Arte, o personagem Pantalone era o principal alvo das artimanhas dos Zanni (Arlecchino, Brighella e Colombina). Pantalone tinha uma personalidade muito forte. Entretanto, sempre tentava recomeçar seu cotidiano tranquilamente, mas os conflitos que passava só o deixava cada vez mais irritado, principalmente quando alguém tentava tirar seu dinheiro. 23 Disponível em: <http://en.wikipedia.org/wiki/Pantalone> Acesso em: 21 Mai. de 2014.
  • 50. 50 No Programa Chaves, os principais aspectos de Pantalone podem ser identificados ao analisar as características do personagem Seu Madruga (interpretado pelo ator Ramón Valdéz). Seu Madruga é pai de Chiquinha e tem uma personalidade forte. Ele desconta sua ira em pessoas inocentes. Essa característica é destacada quando ele desconta sua raiva ao dar um cascudo no Chaves e beliscar o Quico. Também é enfatizada diversas vezes quando ele é vítima das tapas de Dona Florinda – na maioria das vezes de forma injusta – ou quando é irritado pelas travessuras das crianças. Figura 8 - Don Ramon (Seu Madruga) Fonte: Chaves Web24 Seguindo esta análise do personagem Seu Madruga, observamos uma diferença no status social, em relação ao Pantalone, pois este é rico, avarento e compõe a classe social mais elevada. Seu Madruga, por sua vez, faz parte da classe baixa e, mesmo assim, é avarento no pouco que tem. De acordo com esta perspectiva, observamos esta diferença, devido a proposta dramatúrgica de Chespirito, ao colocar o personagem Seu Madruga em um status social baixo e ainda assim ser avarento. O autor enfatiza a avareza do Seu Madruga como uma questão de caráter e não de classe social. Isto pode ser observado no nosso próprio cotidiano, ou seja, Chespirito destaca novamente a mimese como elemento satisfatório do seriado, na identificação do espectador. 24 Disponível em: <http://www.chavesweb.com/seu-madruga.php> Acesso em: 21 Mai. de 2014.
  • 51. 51 A partir da percepção da cristalização da avareza e da ira, que compõem as características de Pantalone, é possível observar também, a presença de outro tipo popular nas ações do Seu Madruga, trata-se do Scaramuccia da Commedia Dell’ Arte. Figura 9 - Scaramuccia em 1860 - SAND Maurice. Masques et bouffons (Comedie Italienne) Fonte: Wikipedia (Inglês)25 Este personagem caracterizava-se por ser um contador de mentiras, malandro e aproveitador. É considerado uma evolução do personagem Capitão, em outras palavras, do soldado fanfarrão. Scaramuccia constituía o grupo dos Zanni, utilizando um figurino com roupa preta e responsável por fazer diversas caretas. Destacou-se com o passar do tempo, por ter sido desenvolvido pelo ator italiano Tiberio Fiorilli. Após analisar as principais características de Scaramuccia e de Pantalone, encontrei evidências que destacam a semelhança de ambos, com as características do personagem Seu Madruga. Em relação ao Scaramuccia, podemos observar nos episódios do seriado Chaves, que o Seu Madruga aproveita-se de seu status social, para não pagar o aluguel do Seu Barriga (interpretado pelo ator Édgar Vivar), que é 25 Disponível em: < http://en.wikipedia.org/wiki/Scaramouche> Acesso em: 21 Mai. de 2014.
  • 52. 52 o dono da vila. Seu Madruga aproveita-se, principalmente, por saber que, apesar de o Seu Barriga ser um homem rígido e de classe média, no fundo é generoso e muitas vezes demonstra solidariedade com o próximo. Porém, Seu Madruga também demonstra, diversas vezes, ser um personagem de atitudes nobres, ao ajudar o Chaves, dando-lhe de comer. Todavia, ao passar do limite diversas vezes, Seu Madruga acaba caindo nas próprias armações, principalmente quando ele necessita da ajuda das crianças – especificamente o personagem Chaves – para avisá-lo o momento certo que o Seu Barriga chegasse à vila, assim como o Pantalone necessita da ajuda do seu criado Arlecchino e os demais Zanni, para resolver seus negócios. Em outras palavras, o Arlecchino atua como um “porta voz” do Pantalone. Essa característica pode ser vista nas peças de Moliére e Ariano Suassuna, por exemplo. Ao analisar o episódio O disco voador (1977)26 , observamos uma cena onde o Seu Madruga esconde-se no interior do quarto de sua casa, para não pagar o aluguel. Ele combina com Chaves para gritar a seguinte frase “Já chegou o disco voador”, quando o Seu Barriga chegasse à vila, porém Quico – que acabara de perder seu disco voador de brinquedo, pelo fato de Chaves ter jogado o brinquedo na rua – acaba interferindo no plano do Seu Madruga sem perceber e este acaba sendo descoberto pelo Seu Barriga. O episódio tem 21 minutos e 46 segundos. O fragmento da cena é a partir dos 17:10, até 18:20. Vejamos o diálogo a seguir: Quico: Mamãe! Já se foi o disco voador! (Seu Madruga sai do quarto e agradece ao Quico pela janela.) Seu Madruga: Obrigado, Quico, obrigado. (Tom) Onde será que foi parar este bendito transistor?! Quico: Chaves, por que o Seu Madruga me agradeceu? Chaves: Sabe o quê que é? É que ele pensa que... (Nesse momento, o Seu Barriga vem descendo as escadas da casa nº 23) Chaves: Nossa! 26 Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=ZB9SrHB_o34> Acesso em: 21 Mai. de 2014.
  • 53. 53 (Chaves corre até a janela da casa do Seu Madruga) Chaves: Já chegou o disco voador! (Seu Madruga corre e se esconde no quarto) Quico: Onde está? Onde está o meu disco voador? Chaves: Não seja burro. Estou falando do Seu Barriga. Seu Barriga: O quê?! Quico: E eu tô falando do meu brinquedo! Mamãe, já se foi o disco voador! (Seu Madruga sai do quarto e entra de novo quando Chaves grita) Chaves: Ao contrário! Já chegou o disco voador! Quico: É nada! Já se foi o disco voador! Chaves: Não! Já chegou! Quico: Já se foi o disco voador! Chaves: Não! Quico: Já se foi! Chaves: Já chegou! (Seu Madruga se irrita e vai até a janela reclamar com Chaves e Quico, mas dá de cara com Seu Barriga.) Seu Madruga: Já chega! Estão brincando ou estão tentando... (dirigindo-se ao Seu Barriga) Digo... o Senhor conseguiu ver o disco voador?... Digo, não? Se observarmos com atenção esta cena, podemos constatar que o personagem Seu Madruga, é logrado pelas crianças irritando-se facilmente e acaba tendo seus planos frustrados. Desse modo, é importante destacar a liberdade de expressão artística, no momento que Chespirito cria um personagem com dois tipos característicos da Commedia Dell’ Arte: Pantalone e Scaramuccia. Na Commedia Dell’ Arte os tipos eram fixos para cada ator que os interpretasse. Contudo, com o passar do tempo, os dramaturgos – ao resgatarem os tipos da Commedia – adaptaram de acordo com as novas possibilidades de expressão. Estas adaptações e inovações são identificadas como a “poética” de cada artista. Assim, como Shakespeare, Moliére, Ariano Suassuna, Goldoni, entre outros, Chespirito também criou sua poética, a partir do contraste das classes sociais de seu país.
  • 54. 54 No episódio Como treinar um novo campeão (1977)27 , há um fragmento na cena onde o personagem do Seu madruga ensina Chaves a lutar boxe. Logo após, Chaves vai correndo para ensinar o personagem Quico a lutar, mas acaba literalmente nocauteando o “menino bochechudo”. Após presenciar tal situação, o Prof. Girafales, ao lado de Dona Florinda, vai tirar satisfação com o Seu Madruga, por este ter ensinado um esporte agressivo para uma criança. Figura 10 - O Professor Girafales Fonte: Chaves Web28 O texto seguinte foi retirado do episódio citado anteriormente. O episódio tem 24 minutos e 05 segundos. O fragmento da cena é a partir dos 17:57, até 18:36. Essa cena representa uma contradição na forma do personagem criticar uma ação que ele próprio acaba cometendo. Vejamos o texto a seguir: Prof. Girafales – Quem bate nos outros, se chama selvagem ou besta! Seu Madruga (dirigindo-se à Dona Florinda) - É com a senhora. Dona Florinda – Mas eu não bato por esporte. Seu Madruga – Não?! É uma profissional. Prof. Girafales – Ora já basta! E você Chaves tire essas luvas. Chaves – Ora, mas não se irrite. Prof. Girafales – E o Senhor Seu Madruga, vou avisá-lo de uma coisa. Eu sou inimigo fidagal da violência e da luta. Mas se eu voltar a ver o pobre do Chaves usando essas luvas, eu, ouça: Vou partir tudo que se chama cara! 27 Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=zITH9PX2aio> Acesso em: 7 jul. de 2014. 28 Disponível em: <http://www.chavesweb.com/professor-girafales.php> Acesso em: 8 Jun. de 2014.
  • 55. 55 De acordo com a análise do personagem Prof. Girafales, esse tipo de contradição é uma das principais características do tipo Dottore da Commedia Dell’ Arte, por este ser ambíguo em todas as suas frases. Figura 11 - Dottore de face corada Fonte: Wikipédia, a enciclopédia livre 29 Dottore caracteriza-se principalmente por querer assumir sua superioridade e intelectualidade perante os demais personagens. Na Commedia Dell’ Arte, seu tipo físico costumava ser grande e fazia contraste com Pantalone, seu principal rival. Seguindo as principais características de Dottore, podemos observar semelhanças com o texto da citação do personagem Prof. Girafales, do seriado Chaves, como por exemplo: ser o maior em estatura do seriado, demonstrar intelectualidade, ser ambíguo e contraditório em seus diálogos. Entretanto, se analisarmos esse tipo de personagem no cotidiano da sociedade, identificaremos como um homem hipócrita, que julga os semelhantes, mas não consegue julgar a si próprio. A Commedia Dell’ Arte também era constituída por personagens que não utilizavam máscaras. Eles eram apaixonados e eram responsáveis pela 29 Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Dottore> Acesso em: 8 jun. de 2014.
  • 56. 56 dramatização cênica das cenas, eram os Enamorados. Esta classe de personagens era formada por um casal. Geralmente, eram filhos dos Vecchi: Pantalone e Dottore, respectivamente. O romance, o amor, a paixão, a sutileza eram as principais características dos enamorados. O comportamento sutil destes personagens remetem as representações do teatro erudito. Figura 12 - Os Enamorados Fonte: Escola de Teatro Catarse 30 Algumas das funções do teatro erudito (início do século XV) eram de contrapor temas religiosos, em motivo do reflexo da dominação cristã no ocidente. Caracterizava-se por resgatar modelos greco-romanos, durante o renascimento na Itália. Destacou-se pela sua linguagem acadêmica e pela veneração dos humanistas. A partir desta perspectiva, observamos na maioria dos episódios do seriado Chaves, que Chespirito utiliza uma dramatização romântica nas cenas do Prof. Girafales e da Dona Florinda. Os dois parodiam a interpretação dramática do teatro erudito, fato que também acontecia na Commedia Dell’ Arte, que surgiu em contraponto a este tipo de teatro dito tradicional, erudito, que utilizava um tom “empostado”. Observou-se então, a interferência proposital nos diálogos e ações do Prof. Girafales e Dona Florinda. 30 Disponível em: < http://escoladeteatrocatarse.wordpress.com/2008/01/15/os-personagens- da-commedia-dellarte/> Acesso em: 10 Jul. de 2014.
  • 57. 57 Figura 13 - Prof. Girafales e Dona Florinda Fonte: Chespirito 70 - Blogspot31 Ambos tinham um texto que era repetido na maioria dos episódios, por tratar-se de um lazzi do seriado: Prof. Girafales - Dona Florinda! Dona Florinda - Prof. Girafales! Que milagre o Senhor por aqui. Prof. Girafales - Vim lhe trazer este humilde presente. Dona Florinda - Obrigada. Não gostaria de entrar e tomar uma xícara de café? Prof. Girafales - Não seria incômodo? Dona Florinda - Mas é claro que não. Entre. Prof. Girafales - Depois da Senhora. Analisamos o episódio intitulado Bilhetes Trocados (1977)32 . O personagem Quico – filho de Dona Florinda – é o responsável por ridicularizar a “postura e o diálogo formal” do casal, neste episódio. O episódio tem 23 minutos e 17 segundos. O fragmento da cena é a partir dos 10:00, até 11:07. Veremos abaixo, o mesmo diálogo dos personagens identificados acima, mas com uma interferência no texto tradicional: 31 Disponível em: <http://chespirito70.blogspot.com.br/2011/01/ep-xxxiii-do-blog-somos- cafonas-sim-o.html> Acesso em: 1 Jul. de 2014. 32 Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=E0XcI9e2fgw> Acesso em: 1 Jul. de 2014.
  • 58. 58 (Fundo Musical de O Vento Levou) Dona Florinda – Prof. Girafales! Prof. Girafales – Dona Florinda! Dona Florinda – Que milagre o Senhor por aqui! Prof. Girafales – Vim lhe trazer esse humilde presentinho. Quico – Outra vez flores? Dona Florinda – Tesouro! Quico – Ah mamãe, mas o Professor parece que não sabe comprar outra coisa. Sempre flores, flores, flores! Dona Florinda – Mas acontece que... Quico – Ah, mas porque num dia ele não traz chocolates... outro caramelos ... outro dia um relógio de ouro... outro dia um casaco de pele... outro dia um carro em último tipo... enfim! Dona Florinda (envergonhada) Não ligue pra ele, Prof. Girafales, é que o Quico adora fazer piadas. Prof. Girafales – É... eu já percebi. Dona Florinda – Mas não gostaria de entrar e tomar uma xícara de café? Quico – Outra vez café?! Dona Florinda – Tesouro! Quico – É por isso que ele sempre te traz só flores. Analisando com atenção o texto da cena do Prof. Girafales e Dona Florinda, podemos constatar evidências que destacam a paródia dos personagens e proximidade com os enamorados, pela “tentativa de comportamento formal” dos personagens. Chespirito utiliza sutilmente uma quebra na linguagem do Prof. Girafales e Dona Florinda, na maioria dos episódios, permitindo assim que todos os demais personagens interfiram no diálogo do casal. Finalizo este último capítulo reafirmando a convicção de que a Commedia Dell’ Arte pode estar presente em distintas expressões artísticas, até mesmo em um “produto” da nossa sociedade contemporânea, um programa de televisão. Mas, ao mesmo tempo, defendo as qualidades do Programa Chaves que traz em sua essência a Commedia Dell’ Arte, com a
  • 59. 59 imitação de tipos que encontramos na vida e uma crítica social que aparece na diferença de classes. E isto, tudo através da ingenuidade de personagens, sejam adultos ou crianças.
  • 60. 60 CONSIDERAÇÕES FINAIS A possibilidade de aproximação entre Chaves e a Commedia Dell’ Arte, surgiu a partir de pesquisas bibliográficas. Contudo, o desafio seguinte seria exatamente convencer um orientador a aceitar minha pesquisa, porque a crítica radical em relação às produções televisivas não partia somente dos jornalistas e teóricos, mas também da Academia Científica. Tendo obtido a orientação acadêmica para minha pesquisa, o desafio seguinte foi de encontrar referenciais satisfatórios, na proximidade do seriado Chaves, com a Commedia Dell’ Arte. A princípio, percebi somente as relações entre ambos, nas características e ações dos personagens. Todavia, à medida que fui lendo os referenciais bibliográficos, encontrei mais proximidades que evidenciavam tal suposição como veremos adiante. No primeiro capítulo pude notar que a Comedia Dell’ Arte, apesar de ter surgido em meados do século XV, mantém-se presente na contemporaneidade, influenciando, através de seus elementos constitutivos, diversas produções artísticas. Tal fato é possível por tratar de temas que são atuais em sua estrutura, como o conflito de classes e os tipos humanos inspirados no cotidiano. No segundo capítulo, onde abordei a Indústria cultural e sua relação com a sociedade, foi possível constatar que apesar da grande influência que a mesma possa exercer sobre o contexto social, não podemos rotular de forma negativa todos os produtos advindos dessa indústria, sob pena de cairmos em generalizações preconceituosas. Desta forma, escolhi como objeto de estudo o seriado Chaves, por se tratar de um seriado televisivo considerado por alguns críticos como produto do mercado de massa da Indústria Cultural. Tal escolha aconteceu com o intuito de verificar o conteúdo transmitido pelo mesmo e sua provável relação com a Commedia Dell’ arte.
  • 61. 61 No terceiro capítulo, foi possível relacionar alguns tipos humanos da Comedia Dell’ Arte, com os principais personagens do seriado Chaves, assim também como ressaltar os aspectos sociais retratados em sua dramaturgia. Sendo assim, de acordo com minha análise, obtive elementos interpretativos satisfatórios na coleta de dados, que evidenciaram a proximidade artística entre ambos. Desse modo, tal pesquisa se mostrou relevante por comprovar que, apesar das críticas direcionadas ao seu conteúdo intelectual e cultural, o seriado Chaves demonstra em sua estrutura cênica, elementos de crítica social através de um humor suave e ingênuo que atinge o público por meio da identificação com as situações e com os personagens. Assim, concluo que a Commedia Dell’ Arte influenciou a dramaturgia do seriado Chaves, ao legar nesta, a relação da observação da natureza do homem e a imitação do cotidiano da sociedade (mimese), enfatizando sempre os conflitos entre as classes (crítica social) e despertando a identificação do público com muitas características dos personagens e as situações vivenciadas por eles.